quarta-feira, 19 de setembro de 2012

SEJAMOS VÂNDALOS!

Natal (RN) está passando por uma situação lastimável. Somando-se à inoperância da prefeitura e do governo estadual, aos escândalos no legislativo, ao abandono da cidade e aos seus famigerados buracos, um grupo de empresários do SETURN ( Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros do Município do Natal), concessionários de um direito/serviço público, decide, com o aval da prefeitura, aumentar a passagem de ônibus. Em seguida, por ter tido seu aumento revogado, suspendem o sistema de integração gratuita entre os ônibus, instituído pela prefeitura em 2009. O sistema de integração substituiu as antigas estações de transferência, buscando garantir a possibilidade de um passageiro pegar um segundo transporte gratuitamente num determinado tempo.

Influenciados por tudo isso, mas, sobretudo, pelo episódio do aumento da passagem, eis que algo muito feliz e positivo ocorre: a população potiguar, em sua maioria estudantes e trabalhadores usuários dos ônibus, sai da inércia e vai, mais uma vez na história recente da nossa cidade às ruas, fazer o que lhe resta – protestar!

Mas nem todos compreendem ou apoiam os protestos. Infelizmente, grande parte da população continua em casa, acomodada, anestesiada... Alguns até reclamam por ficarem parados no trânsito devido aos protestos.

E a polícia? A quem serve neste momento? Em vez de prender os criminosos, insuflam-se por um autoritarismo desmedido e associam as manifestações populares ao que há de pior, agindo com atitudes torpes de violência e desrespeito.

Outro fato que me entristece é a cobertura jornalística, que, muitas vezes, em detrimento do interesse público e central – a luta por um sistema de transporte público de qualidade – distorce fatos ou traz visões extremamente limitadas, cobrindo apenas um aspecto dos protestos: eles incomodam!
Numa democracia, protestos e manifestações populares não apenas são permitidos; são NECESSÁRIOS! Vivemos numa DEMOCRACIA REPRESENTATIVA em que elegemos políticos para nos representar e tomar as decisões sobre NOSSAS vidas! O que precisamos, contudo, diante de um histórico de decisões e ações de políticos que desrespeitam o interesse público, é lutar por uma DEMOCRACIA cada vez mais PARTICIPATIVA, em que nós cidadãos tomamos as rédeas das nossas vidas e ganhamos voz e vez por meio de conselhos comunitários, conferências públicas, fóruns, colegiados, audiências públicas, manifestações e ativismo político (não quero dizer partidário!).
É preciso incomodar-se, manifestar-se, agir, sim, buscando sempre conscientizar outras pessoas, anestesiadas pelo comodismo da representatividade ou pelo egoísmo de quem não se sente afetado pelos problemas sociais, econômicos e políticos! E isso, feliz ou infelizmente, incomoda às vezes, pois tira as pessoas anestesiadas de suas rotinas, de suas zonas de conforto.
Historicamente, tem sido assim. Os principais ganhos em lutas sociais vieram de protestos, mobilizações e, infelizmente, com algum tipo de radicalismo ou violência. Foi assim na Guerra de Canudos em 1896; na Revolta da Vacina em 1904; na Revolta de Contestados em 1912; nas manifestações contra a Ditadura Militar Brasileira, que culminaram no movimento das “Diretas Já” e na redemocratização do Brasil; foi assim nas lutas da década de 60 na França; no Chile desde 2011; tem sido assim nas lutas mais recentes na Líbia, Tunísia, Iemen, Egito e Turquia.
 
Sou totalmente contra qualquer tipo de violência. Acredito, quase sempre, na comunicação e no diálogo democrático como a melhor alternativa para a convivência harmônica. Mas sem recursos financeiros ou voz na grande mídia, sem estar em mesmo pé de igualdade e de poder que as autoridades políticas e os empresários, qual a alternativa da população?! Protestar!
Isso é “vagabundagem”?! Isso é vandalismo?! Segundo o Aurélio, vandalismo é a "destruição ou mutilação do que é notável pelo seu valor artístico ou tradicional". A história do termo está vinculada ao povo Vândalo (Vandali ou Wandeln), um dos povos bárbaros que invadiram e atacaram o Império Romano, provocando sua queda.
Se não fosse a conotação pejorativa atribuída ao termo, os protestantes de Natal poderiam, de maneira torta (os ônibus não tem valor artístico ou tradicional), ser considerados vândalos, pois eles também lutam pela queda de um império - o império dos empresários que exploram a população com preços abusivos e um transporte precário. Se não fosse a conotação perjorativa, diria: sejamos, então, todos vândalos!
Os manifestantes dos protestos contra os abusos do SETURN, entretanto, não estão atacando ninguém nem invadindo lugares, pois as ruas são públicas, isto é, do POVO! Os ônibus são propriedade privada, mas fazem parte do sistema de transportes públicos, isto é, do POVO! E se o direito desse POVO está sendo ameaçado, com passagens abusivas ou com o fim do sistema da integração gratuito, esse mesmo povo – me incluo aí - tem, sim, o direito de protestar. Gritando, fazendo passeatas, faixas e cartazes, movimentos nas redes sociais, panelaços, “roletaços” e, infelizmente, como medida extrema, depredando patrimônio, o que, na minha opinião, deve ser adiado e evitado ao máximo.
No caso específico dos protestos contra o fim da integração nos ônibus de Natal, sou contra a queimada dos ônibus ou qualquer depredação do patrimônio público ou privado ou qualquer violência contra qualquer cidadão. Ainda em relação à queima dos ônibus, há de se apurar os fatos, pois os protestos contra o aumento da passagem e pelo passe livre têm sido sempre pacíficos e nunca optaram por esse tipo de ação.
Penso que, se o Ministério Público não conseguisse impedir que os empresários descumprissem a legislação, fazendo-os retomar a integração gratuita, aí, sim, talvez, fosse necessário radicalizar o movimento, pois diante das injustiças ou da inoperância dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, de fato, a população não tem muitas alternativas.
Fico me perguntando por que as pessoas que se indignam profundamente com a queimada de um ônibus não se indignam com o aumento da passagem, numa cidade pequena como Natal, com uma tarifa já das mais caras do Nordeste e ônibus dos mais velhos do Brasil?
Por que essas pessoas que se revoltam com a queimada dos ônibus não se revoltaram com o fim da integração gratuita dos ônibus, fundamental para o traslado de estudantes e trabalhadores?
Por que essas pessoas não se revoltam com o autoritarismo e a violência desnecessária com que a polícia tem tratado jovens estudantes e trabalhadores nos protestos pelo transporte público?
Por que não se revoltam com o fato de o governo estadual ter reduzido 7,6 % do orçamento da saúde e elevado em 56,9% o orçamento de propaganda na proposta orçamentária de 2013?
Por que essas pessoas não se revoltam com o nosso pífio sistema público de saúde e apenas pagam seus planos de saúde enquanto milhares de pessoas se amontoam para utilizar o SUS?
Por que essas pessoas não se revoltam com a destroçada situação da educação pública e apenas matriculam seus filhos em escolas privadas?
Por que essas pessoas não se revoltam com a miséria e a fome que assola nosso país?
Isso, sim, me revolta!