terça-feira, 7 de julho de 2015

DESABAFO SOBRE A TÃO FALADA GESTÃO DEMOCRÁTICA...

Às vésperas do processo eleitoral para reitor e diretores gerais de campi do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), instituição da qual tenho profundo orgulho de ter sido aluno e agora técnico e gestor, o termo “gestão democrática” volta a ser tema recorrente nas falas de muitos que discutem os rumos políticos da Instituição e entre as propostas e programas dos candidatos aos cargos elegíveis – ora como compromisso, ora como promessa vaga.


Diante de tantos discursos e das mais diversas práticas de gestão, que reivindicam para si a alcunha “democrática”, não podemos deixar de perguntar: de que gestão democrática estamos falando mesmo?

Para essa pergunta, muitas são as respostas. Menos porque muitas são as possibilidades de modelos de gestão democrática e mais porque são diferentes nossos níveis de conhecimento sobre o que é assumir a democracia como cerne de uma gestão e, principalmente, sobre como implementar concretamente esse modelo, tendo em vista que ele não é um fim em si mesmo.

Como sempre estive comprometido com um projeto societário de participação, justiça social e democracia total e como nas escolas em que trabalhei, já incluindo meus primeiros anos no IFRN, a maior parte das minhas estadias foi na função de gestor, avalio que sempre busquei ser um gestor democrático. Afinal, sempre trabalhei com base no diálogo democrático, sempre fui favorável à participação daqueles que se afetam direta e indiretamente nas tomadas de decisões, inclusive no processo de planejamento e definição de recursos, e sempre defendi e participei da construção coletiva dos projetos políticos pedagógicos (PPP) com os quais me deparei.

E assim segui acreditando, até ser questionado e adjetivado de forma contundente como um gestor aquém do que se almejava como democrático. Embora tenha discordado com veemência do rótulo que tentavam me vestir e, apesar da dificuldade –  decrescente – de acolher críticas alheias quando eivadas de agressividade ou intenções desconstrutivas,  tenho como uma das minhas características mais marcantes a capacidade de autocrítica e de autoanálise. Coloquei-me, então, a refletir...

Que falha(s) havia cometido? Que brecha(s) havia deixado para que alguém pudesse questionar meus compromissos e práticas pautadas na democracia?

Para além das questões pessoais motivadoras, concluí que aquilo tinha haver com dois motivos: 1) havia sido indicado a assumir funções de gestão, sem consulta ou sem eleição, e 2) sempre fui um trabalhador, gestor ou não, técnico ou docente, resolutivo, proativo, workaholic em processo de “cura” (demora, viu?! Rsrs) e, para alguns, relativamente centralizador.

Se essas constatações não são suficientes para taxar um gestor como antidemocrático, certamente eram um indicativo de que eu ainda tinha o que aprender dentro do modelo de gestão democrática. E assim o fiz com humildade e vontade de avançar naquilo que sempre defendi, porque acredito que, sim, as pessoas não apenas podem mudar, como assim devem fazê-lo sempre que necessário à conduta ética e ao bem comum.

De qualquer forma, é preciso ter muita clareza de que um modelo de gestão democrática em uma escola, em um instituto federal ou em uma universidade não se resume ao processo democrático e direto de escolha de seus dirigentes. Além disso, é preciso buscar estratégias que garantam:
  • a autonomia institucional; 
  • o acesso democrático e público às ofertas e ações educacionais; 
  • o respeito à diversidade e à inclusão; 
  • o fortalecimento e/ou a criação de órgãos colegiados e comissões; 
  • a construção e a implementação coletiva do PPP e demais documentos institucionais; e 
  • a participação efetiva da comunidade nas tomadas de decisão, inclusive na ordem do planejamento e da aplicação de recursos.
Logo, fica claro que a escolha democrática de dirigentes não é salvação para os problemas de gestão de uma instituição educacional.

Alguns, inclusive, assumem o fato de elegerem representantes enquanto gestores como a justificativa para o enfraquecimento da participação ativa nos processos decisórios. Aí certamente está o problema do modelo de gestão democrática com ênfase – ou quase exclusividade – na REPRESENTATIVIDADE. A gestão democrática que defendo deve ter como foco, de modo distinto, a PARTICIPAÇÃO de todos, o que distribui a ênfase das prerrogativas do modelo com as outras ações que se somam à escolha dos dirigentes, sem enfraquecê-la, é claro.

Certamente, como a participação não é dádiva ou concessão, mas processo e conquista, é fato que, se esse processo não se resume ou não está garantido na escolha direta e democrática de gestores, ele começa com essa ação e não pode prescindir dela para construir esse modelo de gestão e para manter a coerência com um projeto mais amplo de democracia.

Nessa perspectiva, a gestão democrática participativa torna-se um paradigma imprescindível à gestão educacional, não por ser um dogma repetido por pedagogos, pesquisadores das Ciências da Educação, sindicalistas, pela legislação vigente ou pelo próprio PPP do IFRN, mas porque a participação direta nas tomadas de decisão de uma instituição de educação é uma lição à sociedade sobre o que é democracia, é um direito e um dever não apenas de todos os gestores, professores e técnicos, mas de estudantes, pais e cidadãos da comunidade externa.

Se há um docente ou técnico participativo que não quer estar ou simplesmente não pode estar numa função de gestão, se há um aluno participativo que não quer ou não pode estar na gestão do movimento estudantil, se há um pai ou um agente comunitário que quer contribuir com as questões que lhe afetam na escola, os espaços de participação, consulta e deliberação coletiva devem estar garantidos a eles, seja na escolha de seus gestores ou na tomada de decisões planejadas e cotidianas.

Isso é utópico? Isso não é mais difícil de implementar? Certamente! Não só porque lidar com a diversidade de posições nos processos decisórios é mais difícil, como também por, em estando acostumados com o modelo da representatividade, furtamo-nos de participar e de contribuir em diversos momentos das nossas vidas institucionais e políticas.

Por isso, precisamos recorrer à Profª. Safira Ammann, que, em seus estudos e análises, aponta três condições estratégicas e concretas para que a participação seja efetivada e os processos de decisão tenham fluidez dentro do paradigma da gestão democrática: a informação, a motivação e a educação para participar.

Ora, não se participa sem o esclarecimento das pessoas sobre o porquê participar e quais os objetivos e as funções de sua participação. Aqueles que já entenderam os porquês da participação, de forma global ou sobre uma questão específica, devem colaborar com a identificação e a disseminação das razões que podem motivar outros sujeitos a participarem. A educação para participar tem a ver não apenas com a formação inicial e continuada sobre o modelo de gestão democrática, sobre os mecanismos de participação e constituição de colegiados e comissões, mas também com o exercício permanente da práxis participativa no cotidiano educacional.

Infelizmente, ainda há gestores reticentes sobre o seu papel e seu “poder” no modelo de gestão democrática. Ainda há gestores, parcial ou totalmente, impregnados com a verticalidade do paradigma tradicional de gestão e, por isso, consideram-se superiores por haverem sido escolhidos como tais ou pelo conhecimento acumulado. Eles sentem dificuldade de entender que estão gestores, mas são, antes, servidores, inclusive, em geral, servidores participativos a quem não poderia ser negado o direito de participar. Não é incomum que esses gestores apelem em nome do seu CPF, a ser responsabilizado se algo decidido ou não decidido pela maioria for incoerente com suas expectativas. 

Jean Jacques Rousseau
No entanto, como diria Rousseau, “se, quando o povo suficientemente informado delibera, não tivessem os cidadãos qualquer comunicação entre si, do grande número de pequenas diferenças resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa”.

Portanto, se a vontade deve ser geral e não do gestor, seu papel acaba sendo de promover o esclarecimento, articular, estimular e sistematizar essas vontades, em um processo de idas e vindas, em que se tece a partir do dissenso, do consenso e o do aprendizado sobre o respeito às diferenças.

Na gestão democrática, que adota relações de poder pautadas na horizontalidade, os acertos, portanto, multiplicam-se, já que refletem os esforços de todos ou, ao menos, de muitos. De modo análogo, os eventuais equívocos são divididos, subtraídos da carga exclusiva do gestor, que, certamente, encontrará respaldo e apoio do grupo ou das instâncias colegiadas que construíram aquela decisão.

Com reflexão e aprendizado, o gestor – entre os quais me incluo – e a comunidade –  na qual também me incluo – precisam ter em mente que a participação coletiva demanda outros tempos e outros espaços, antes aligeirados por decisões centralizadas ou concentradas. Esse aprendizado é uma tarefa difícil para os resolutivos!

A comunidade, por sua vez, necessita compreender que as decisões e os fluxos de gestão são fundamentais para a efetividade e a qualidade social da unidade educacional. Assim, mesmo sendo construídas e conquistadas as possibilidades de participação, a execução do planejamento, dos planos de trabalho, dos projetos coletivos e, sobretudo, a efetivação da função social da escola não poderá esperar os tempos individuais de parte desses atores ou a negligência pontual de alguns deles, em detrimento dos tempos necessários aos processos de transformação social. Nesses casos, grupos menores, mais informados, mais esclarecidos e conscientes quanto à necessidade de participação efetiva acabarão por resolver questões deixadas de lado por parte do coletivo, ainda carente de esclarecimento, motivação e formação.

Para alguns, o gestor democrático, menos absoluto e mais articulador, pode ser encarado como inoperante. Aqueles, certamente, ainda precisam avançar muito na compreensão do quê e dos porquês da gestão democrática.

Nesse sentido, a defesa da gestão democrática coaduna-se com o que Bordenave postula sobre a participação: fazer parte, tomar parte ou ter parte. Vamos além. Não adianta fazer parte ou ter parte sem tomar parte! Na gestão democrática participativa total, gerem-se ideias, documentos, atividades, ofertas, projetos, eventos e processos. Pessoas, dotadas, ontologicamente, de subjetividade e autonomia, são ingeríveis ou, melhor, autogeríveis. Logo, não devemos ficar a mercê da manipulação hierárquica advinda de práticas autocráticas ou forjadas na gestão democrática representativa, abrindo mão de tomar parte daquilo que é nosso direito, dever profissional e função social.

Assim, concluímos e concordamos com Pedro Demo, quando ele diz que, “por tendência histórica, primeiro encontramos a dominação, e depois, se conquistada, a participação. Dizer que não participamos porque nos impedem, não seria propriamente o problema, mas precisamente o ponto de partida. Caso contrário, montaríamos a miragem assistencialista, segundo a qual somente participamos se nos concederem a possibilidade”.

É dessa gestão democrática que estamos falando!

Para saber mais sobre participação na gestão educacional, leia o texto da querida colega Profª Pauleany Simões de Morais, uma expoente referência para mim nesse campo: Participação como forma de ampliação dos espaçosdemocráticos: concepções e perspectivas para gestão da escola

sábado, 23 de março de 2013

VAMOS SER PROTESTANTES DE VERDADE!



Como acredito, de fato, que podemos (re)construir saberes e opiniões a partir do diálogo, gosto sempre de ouvir os argumentos e as concepções de quem pensa diferente de mim. Quem sabe assim, não vejo algo que não estava vendo, percebendo ou  compreendendo.

Então, vamos lá... Algumas pessoas andam dizendo por aí que não veem nada demais nas últimas declarações de Marco Feliciano, deputado federal do PSC-SP e atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, acusado por milhares de pessoas nas redes sociais e em manifestações públicas de homofobia, racismo e até discriminação contra a mulher.

Não estou me referindo a algumas pessoas, geralmente da mesma religião que Feliciano, que não veem nada demais nas suas ideias, porque concordam com o pastor ou porque repetem tudo que seus líderes religiosos dizem. Com essas pessoas, preocupe-me também, mas é muito mais difícil estabelecer qualquer diálogo racional com elas.

Por isso, estou dirigindo-me aos outros, evangélicos ou não, que não confundem dogmas e doutrinas religiosas com desrespeito aos direitos humanos e sociais. Estes, em geral, têm dito que até concordam que Feliciano não deveria estar presidindo a CDHM, que ele tem falado “tolices”, mas também têm dito que todos esses protestos virtuais e presenciais contra o deputado são falaciosos, exagerados, mal intencionados, fruto de intolerância religiosa por parte das minorias que protestam.

Uma das opiniões que mais me provocou incômodo foi a do jornalista Reinaldo Azevedo, em seu blogue na Veja Online, o qual não havia lido até então, mas resolvi fazê-lo depois que uma colega jornalista recomendou dar uma olhada em tal postagem. Para além do mal estar que o texto me causou, as palavras de Reinaldo serviram-me para refletir sobre o assunto e para escrever estas linhas. Como não quero que interrompam esta leitura, destaquei as falas do blogueiro que mais me chamaram a atenção. 


Mesmo com a indignação que o texto de Reinaldo Azevedo provocou-me de súbito, coloquei-me a refletir, refletir e refletir, especialmente devido àquela tentativa de estar sempre aberto a outras opiniões. Novamente, conferi, apurei e analisei os famigerados comentários do deputado Marco Feliciano para ver se tinha lido algo errado, se realmente eu estava precipitando-me, exagerando ou sendo intolerante. Para quem não se lembra bem dos tais comentários ou deixou de ler algum deles, também fiz uma coletânea das principais pérolas discursivas do parlamentar para que esta conversa não saia daqui por enquanto.


Você, que está lendo este texto, realmente acha que eu estou exagerando? Estamos nós exagerando ou sendo intolerantes ao protestar? O que dizer ao deputado, ao jornalista Reinaldo Azevedo ou a quem quer um que ainda ache que o principal problema nesta situação está em quem protesta e não naquilo contra o qual protestamos?

Ora, de que se tratam tais falácias, então, senão de algo contra o qual devemos protestar?! Tratam-se apenas de ignorância, tolice ou incompetência teológica na sua interpretação bíblica?! Afinal, Feliciano pode, mesmo, dizer o que quiser sobre Gênesis e sobre os africanos?! Pode, sim. Tudo em nome da tão badalada e mal invocada liberdade de expressão, não é? 

Ok... Ele pode dizer, sim, tudo que quiser sobre africanos, homossexuais, mulheres, deficientes, quilombolas e outros grupos minoritários ou majoritários que politicamente representa, mas também deve arcar com as consequências de tudo que tiver dito ou vier a dizer.

Podemos até admitir que o que ele disse sobre os africanos não foi RACISMO, dissimulando o fato de que a etnia negra é absolutamente majoritária no continente africano. Ainda assim, suas colocações continuam sendo afirmações de PRECONCEITO e de DISCRIMINAÇÃO. E isso também é abominável e criminoso! 

Denegrir a imagem de milhões de pessoas em função do continente que habitam?! Aquilo não foi apenas ignorância ou tolice. Aquilo foi discriminação, crime de acordo com a legislação brasileira. E, no Brasil, ninguém pode alegar desconhecimento da lei com a finalidade de descumpri-la. Por menos, a Justiça Federal de São Paulo condenou a estudante dedireito Mayara Petruso depois suas afirmações preconceituosas e discriminatóriascontra os nordestinos, na época da eleição da presidenta Dilma Rousseff. 

O problema mais grave da afirmação de Feliciano sobre os africanos é que ele explica e justifica doenças como Ebola e Aids, bem como a fome e a miséria espalhadas pelo África a partir de uma questão religiosa, de uma maldição do paganismo, do ocultismo. Na verdade, as doenças e a situação de pobreza que assolam o continente africano são uma questão histórica, social, política e econômica.

Nem mesmo quem acredita em Deus pode responsabilizá-lo pelas mazelas econômicas e pelos problemas de saúde pública da África, desresponsabilizando os colonizadores e escravagistas que, historicamente, exploraram e esgotaram o continente, assim como o sistema econômico vigente e os governantes que não têm se comprometido suficientemente para prover condições de vida dignas para a população africana.

Em se culpabilizando Deus, assumimos, ingênua e irresponsavelmente, que os problemas da África não têm solução terrena. Mas eles têm, sim!

A África poderia obter mais recursos se houvesse mais investimento e profissionalização de sua agricultura... A África tem um enorme potencial de recursos hídricos não aproveitados. A África tem recursos minerais abundantes, que ainda são explorados por multinacionais que enviam a maior parte dos rendimentos para o exterior. Ou seja, é uma questão complexa, mas que perpassa interesses políticos e econômicos; não divinos.

Quanto a falar de paganismo e ocultismo... Isso é mais uma demonstração de que o preconceito antirreligioso está do lado do deputado e não de quem protesta contra ele! É preciso ter cuidado... Hitler, num discurso de 1936, também usou “o mesmo Deus de Feliciano” para justificar o extermínio de milhões de judeus na Alemanha, dizendo: “acredito hoje que estou agindo de acordo com o Criador Todo-Poderoso. Ao repelir os judeus, estou lutando pelo trabalho do Senhor”.

Quanto às acusações de homofobia, caro Reinaldo, Feliciano não é homofóbico só porque é contra o casamento gay ou contra a lei que propõe criminalizar a homofobia. Diz-se, com toda a certeza, que ele é homofóbico e, portanto, preconceituoso, porque ele teve a desfaçatez de agredir os homossexuais por meio de atos discriminatórios quando afirmou que a “podridão dos sentimentos dos homoafetivos” leva ao ódio, ao crime e à rejeição, que a “união homossexual não é normal”, que o “o reto não foi feito para ser penetrado” e que “a Aids é o câncer gay”.

É preciso explicar o porquê de tais afirmações serem agressivas, infundadas e discriminatórias? Talvez seja... Primeiro digo: não é a podridão dos sentimentos dos homoafetivos que levam ao ódio, ao crime e à rejeição, mas a podridão dos sentimentos, dos pensamentos e das ações dos que sentem ódio, cometem crimes e rejeitam os homossexuais é que levam aos piores dos cenários.

Ainda nesse assunto, quem foi que disse que o NORMAL é homem gostar de mulher e mulher gostar de homem? O ser humano! É o ser humano quem define, ao longo da história e de acordo com sua cultura, o que é normal, o que é norma, regra e lei. Como é ele quem diz e define isso, ele também pode desdizer e redefinir. Ocorre que algumas normas são ditas tantas vezes e há tanto tempo que não refletimos que elas foram construídas ou impostas por nós mesmos. 

Sempre me questionei: se você não está interessado afetiva ou sexualmente numa pessoa, qual a importância da orientação sexual ou das práticas sexuais dessa pessoa para sua vida? Será que o fato de uma mulher gostar e relacionar-se com um homem faz dela uma mulher boa, inteligente, solidária ou justa a priori? Será que um homem que gosta de mulher é, sem dúvida, um homem ideal? Será que o fato de um ser humano ser homossexual garante que ele ou ela seja uma pessoa de boa índole? Não! Mas também não o faz, infalivelmente, assassino, ignorante, egoísta, ladrão, pedófilo, estuprador, mentiroso...
Como nossa questão não é justificar a homossexualidade ou a heterossexualidade, ou ainda provar que uma é certa e a outra, errada, vou finalizar o tema por aqui, e, se quiserem aprofundar-se mais, leiam o que escreve o professor e pesquisador, Alípio de Sousa Filho. Afinal, o câncer da humanidade é a ignorância!

E por falar em ignorância, o parlamentar, que não havia pensado até então em presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias – talvez por ter outros interesses e por não se sentir, politicamente, acometido pelas questões humanitárias e minoritárias – teve mais uma de suas falas preconceituosas publicitadas. Desta vez, as vítimas foram as mulheres.

Deputado, quando você apenas ESTIMULA as mulheres a terem os mesmos direitos que os homens, você não está fazendo nada! O que você, qualquer político, qualquer cidadão ou qualquer ser humano têm que fazer é GARANTIR que toda mulher tenha os mesmos direitos e oportunidades que os homens! Até porque, numa sociedade em que a anatomia humana não significa quase nada diante do conhecimento, da informação, das tecnologias, da ciência, do amor, da civilidade, dos direitos humanos e sociais, não há espaço para qualquer manifestação ou ação relativas a uma inverídica inferioridade da mulher em relação ao homem ou deste em relação àquela.

Quanto ao fato de ser mãe, a mulher contemporânea pode ser tão mãe quanto os pais têm sido pais até os dias de hoje: trabalhando fora de casa, construindo uma vida profissional e social. E nem me venham com aquele discurso chauvinista e ultrapassado sobre o papel preponderante da mulher na criação de um filho. A única coisa que a mulher faz que o homem não pode fazer é dar a luz e tirar leite dos peitos, pois, de resto, somos totalmente capazes de dar conta das demais atividades. Nenhum dispositivo biológico fez os homens inferiores às mulheres na execução de atividades como trocar fraldas, fazer mamadeira, dar banho em filhos, passear ou brincar com eles, passar roupa, cozinhar, educar, cuidar do lar...

E tem mais: ter um filho não tem nada a ver com vocação divina ou biológica! Não há qualquer monstruosidade, anormalidade, anomalia genética ou relação com homossexualidade no fato de uma mulher não querer ser mãe. Ainda bem que há mulheres que, diante da ausência de “vocação” materna, não se sentem culpadas, pois sabem que, além de muitas outras mães e pais existirem para procriar e povoar o planeta, já há tanta criança no mundo sofrendo – com pais e sem pais -- para colocar uma a mais só para satisfazer os outros ou para corroborar com as mentiras históricas de que toda mulher nasceu para ser mãe e de que todo casal tem que gerar uma criança.

Por tudo isso, quando leio ou escuto alguém questionando onde estão os protestos contra outros deputados enrolados com a Justiça ou insistindo na versão de que os protestos contra Feliciano são de cunho antirreligioso, não consigo manter-me inabalado ou paciente.

Essas pessoas não viram os protestos contra Renan Calheiros? Os protestos dos grevistas federais contra o governo federal em 2012? Os protestos contra os políticos do mensalão? Contra a privataria tucana? Talvez não tenham visto... Talvez estejamos protestando pouco... 

Se, pretensamente, dizem que nas ruas, protestando contra Feliciano, estão, além de gays, militantes do PT, do PCdoB, do PSOL, pergunto: por que os outros não estão protestando também? Na verdade, até estão. Já vi várias manifestações em minhas redes sociais de colegas e amigos, heterossexuais, cristãos, ateus, não filiados a partidos políticos e até afiliados e simpatizantes de partidos de direita.
Porém, possivelmente, ainda não estejamos sendo vistos ou compreendidos em nossa totalidade e complexidade, por sermos poucos, por protestarmos pouco... De certo, nesse ponto, Reinaldo tem razão.

Em muitos aspectos, contudo, não concordo com ele. Não concordo, por exemplo, com o ar de conformismo que o jornalista atribui ao fato de que sociedade, POR BEM, restringe direitos a determinados grupos. Todo direito que a sociedade julgar legítimo e que houver sido vilipendiado POR MAL e em atenção a interesses que não os do povo, deve, sim, ser reivindicado por meio de protestos e mobilizações sociais. De modo análogo, não acredito que o barulho que certos grupos fazem são, em geral, inversamente proporcional ao seu real tamanho e importância na sociedade.

Pelo contrário, aqueles que fazem barulho, que lutam, protestam, pelo menos, não se escondem, têm coragem para lutar pelo que acreditam e, por isso, têm, sim, grande importância social. Se esses protestos forem a favor da igualdade humana, da justiça social, do bem comum e da democracia, aí, sim, sem temor de ser acusado de piegas ou esquerdista, ganham ainda mais importância para mim e para a sociedade.

Por isso, pessoas que fazem barulho ou que querem fazer barulho, vamos mostrar nosso real tamanho, nossa real importância para a sociedade e recuperar todos os nossos direitos, independente do que digam, mesmo que isso pareça impossível e cansativo. Vamos protestar! Vamos continuar protestando! Vamos ser protestantes de verdade!

sábado, 10 de novembro de 2012

LEI DE COTAS: INCLUSÃO DE MINORIAS OU EXCLUSÃO DA MAIORIA?

No dia 11 de outubro de 2012, foram publicados o Decreto 7.824 e a Portaria Normativa Nº 18, que regulamentaram a Lei Nº 12.711, popularizada como Lei de Cotas. Desde então, universidades federais e instituições federais de educação profissional e tecnológica (Institutos Federais, Cefet’s e Escolas Técnicas vinculadas a universidades) passaram a ter que reservar, no mínimo, 50% de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, resguardando, ainda, cotas para pretos, pardos e indígenas e para candidatos com renda familiar bruta de até 1,5 salário-mínimo per capta.

Comunicação Social do IFRN
O assunto é polêmico! De um lado, defesas fervorosas e socialmente engajadas de quem acredita que as cotas combatem e amenizam as distorções sociais, econômicas e culturais que as minorias (no nosso caso maioria!), historicamente, têm enfrentado. De outro, interpelações angustiadas de quem argumenta que esse tipo reserva é sinal de protecionismo ou de “preconceito invertido” e que limita o acesso universal às vagas para quem não preenche os pré-requisitos das reservas.

Um fato: independente de uma ou de outra posição, o Decreto já foi aprovado e universidades federais e instituições federais de educação profissional terão que se adaptar e implementar uma política afirmativa nacional que se adeque à legislação. 

Embora se argumente que o projeto tramitava há quatro anos no Congresso Nacional, pouco ou nenhum destaque político e midiático vinha se dando a ele. De repente, o projeto de lei foi aprovado e, logo em seguida, saiu o decreto que o regulamentou.

O governo teve e tem pressa! “Não deu tempo” nem de ouvir as universidades e institutos federais, que, em sua maioria, já possuíam, há anos, alguma política afirmativa, além de terem produzido e acumulado conhecimento sobre o assunto.

Muitas instituições tiveram que alterar editais e, consequentemente, adotar novas regras e datas para, inclusive, os processos em andamento. No Rio Grande do Norte, foi assim com a UFRN e com o IFRN. Este último, inclusive, que já reserva 50% de suas vagas em cursos técnicos para alunos de escola pública desde 1994 e em cursos superiores desde 2004, teve que lançar novas regras para um processo de ingresso que já havia publicado, inclusive, seu resultado parcial.

Nesse cenário, o SISU, Sistema de Seleção Unificada, processo de ingresso do Ministério da Educação que preenche as vagas do ensino superior em todo país, também terá que se adaptar. No ato da inscrição, segundo a Portaria Normativa Nº 21/1012-MEC, os candidatos terão que optar se concorrerão às vagas reservadas ou às vagas gerais, não podendo concorrer nas duas formas.

O estranho é que qualquer vaga reservada em um processo de ingresso discente pretende-se essencialmente como uma oportunidade a mais de inclusão. Deve, portanto, ser mais uma oportunidade de acesso; não a única. Logo, as vagas gerais de qualquer processo seletivo devem poder ser preenchidas por qualquer candidato, pois estas se baseiam apenas na avaliação do candidato, independente de seu perfil sócio-econômico, étnico-racial e histórico escolar. Se são gerais, não podem ficar restritas aos candidatos que não podem preencher as vagas reservadas; caso contrário, não seriam vagas gerais. Seriam vagas para não cotistas!

Qual a lógica de um candidato que se declare preto e que sempre tenha estudado em escola pública, com renda familiar inferior a 1,5 salário-mínimo, com uma nota de 600 pontos não poder preencher uma vaga geral enquanto que um candidato que sempre estudou em escola privada e que tem uma nota de 550 pontos pode fazê-lo? Nenhuma!

Voltando à questão da reserva de vagas para o ingresso em cursos técnicos e superiores de graduação, é quase consensual essa necessidade para os candidatos de família de baixa renda e para alunos de escola pública.

Afinal, vivemos num país que, em detrimento dos inúmeros avanços sócio-econômicos dos últimos anos, ainda é economicamente desigual, e tem, segundo dados do IBGE de 2011, 46% de sua população em idade ativa vivendo com até dois salários-mínimos, enquanto apenas cerca de 10% recebe de três a 10 salários-mínimos. Ainda de acordo com tais dados, menos de 2% da população em idade ativa recebe mais de 10 salários-mínimos. Por isso, somos ainda o quarto pior país da América Latina no quesito distribuição de renda, de acordo com ONU.

E essa desigualdade econômica influencia muito o acesso à educação. De acordo com uma pesquisa também do IBGE, em 2009, a fatia mais pobre da população acima de 25 anos possuía apenas de 4,5 anos de estudos enquanto que a fatia mais rica na mesma faixa etária possuía mais que o dobro, 10,4 anos. O estudo também apontou que apenas 32% da fatia de jovens mais pobres entre 15 e 17 anos estava no Ensino Médio enquanto que quase 78% da fatia dos jovens mais ricos, na mesma faixa etária, estava estudando nessa etapa do ciclo educacional.

Somando-se a esse panorama discrepante, as escolas públicas de ensino fundamental e médio, frequentadas, em sua maioria, pelos mais pobres, apresentam-se majoritariamente sucateadas, com estruturas físicas precárias, currículos pouco atrativos, falta de professores e educadores desmotivados com seus salários indignos.

Para piorar a situação, essa mesma escola pública – não por culpa dela, mas pelo modelo societário em que vivemos e por opção política de nossos governantes – não tem implementada uma política de assistência estudantil, como a que se vê em universidades e institutos federais.

Dessa forma, chegar até o fim do percurso escolar torna-se muito mais difícil – às vezes, quase impossível – para aqueles que querem estudar e não têm dinheiro para o transporte que o conduziria até a escola; querem estudar e fazer suas atividades de casa depois da aula, mas não conseguem por estar com fome, pois não têm almoço em suas casas; querem estudar, mas não conseguem enxergar, pois não têm como comprar óculos de grau; querem estudar, mas têm que trabalhar para garantir o pão que lhe sustenta (sobre)vivo...

A mais importante crítica à cota por renda familiar da nova legislação acaba ocorrendo pelo fato de esta ser aplicada, em todo o país, a partir de um parâmetro único de renda - 1,5 salário-minimo per capta. Como se já vivêssemos em um país cuja renda é distribuída homogeneamente, em que não há diferenças de riquezas e de poder aquisitivo de uma região para outra, de uma capital para outra, de uma capital para um município do interior!

Uma família de quatro pessoas que vive em Acari, interior do Rio Grande do Norte, com uma renda familiar de R$3700,00 tem, por acaso, as mesmas dificuldades que uma família com a mesma renda e quantidade de pessoas que vive em Brasília, DF? Estão em pé de igualdade uma família com cinco pessoas que sobrevive com uma renda familiar total de R$622,00 e uma família com cinco pessoas que sobrevive com uma renda familiar per capta de R$622,00, isto é, R$3100?

Por que não basear a cota por renda familiar, pelo menos, na realidade de cada unidade da federação, com base em pesquisas do IBGE, do IPEA ou do DIEESE?

Afinal, não é assim que assim que a nova legislação aplica as cotas étnico-raciais? As vagas em cursos técnicos e superiores de graduação devem ser reservadas na proporção do percentual de pretos, pardos e indígenas autodeclarados no último Censo do IBGE, no estado em que se situa a oferta da universidade ou instituto federal.

E por falar em cotas étnico-raciais, não dá para partir do pressuposto de que elas são consensualmente entendidas e defendidas... muito pelo contrário!

Muitos são os que defendem que se há cotas para estudantes de família de baixa renda, os pretos e pardos, por exemplo, já estão ali incluídos. Eu mesmo pensava assim... Mas será?

Se analisarmos os dados relativos às pessoas de cor preta e parda quando o tema é analfabetismo, por exemplo, ainda de acordo com o IBGE, mais de 13% da população de pretos e de pardos são analfabetos contra um índice de menos de 6% para a população de cor branca.

A média de anos de estudo é outra maneira de se avaliar o acesso à educação e as consequentes oportunidades de mobilidade social para brancos e negros. E, nesse caso, o IBGE aponta que a população branca de 15 anos ou mais tem, em média, 8,4 anos de estudo, enquanto pretos e pardos passaram apenas 6,7 anos na escola. Nessa mesma linha, enquanto 62,6% dos estudantes brancos chegaram ao ensino superior de graduação em 2009, apenas 28,2% dos que se declaram pretos e pardos conseguiram chegar até essa etapa do percurso escolar.

Essa desigualdade ainda é reflexo da construção histórica de uma sociedade que deixou de ser escravagista, mas não criou, à época, condições de inclusão educacional, geração de emprego e renda para os pretos que deixaram de ser escravos. Com isso, seus filhos nasceram “livres”, mas não tiveram acesso, por preconceito, discriminação ou por impedimento, às escolas. E quando passaram a ter acesso, os empregos que lhes rendiam eram subempregos. Foi assim com os filhos dos filhos, que, muitas vezes, já nem tinham mais a cor preta; eram pardos ou “brancos”, pois seu pai ou mãe eram brancos, mas continuavam e continuam negros, vítimas de preconceito, da discriminação e com menos chances do que os realmente brancos de estudar e conseguir bons empregos.

E, mesmo quando concluem seus estudos na educação básica, será que os negros – ainda hoje – têm as mesmas chances que um branco para conseguir um emprego? Alguém se arriscaria a afirmar que, no Brasil, uma pessoa de cor preta, pobre, com o ensino médio completo, tem as mesmas chances de uma pessoa de cor branca, pobre, com o ensino médio completo durante uma entrevista de emprego? 

Alguns podem dizer que "sim"... que o preconceito e a discriminação são coisas do passado. “Eu não sou preconceituoso!”... Quase ninguém “é”, não é mesmo?

Uma vez li uma pesquisa do Núcleode Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo (FPA), publicada em 2004, que questionava se a queda do preconceito racial era retórica ou real. Em detrimento do fato de 96% dos entrevistados, ao ser questionado diretamente, ter declarado não ter preconceito de cor, 75% deles apresentou algum tipo de preconceito étnico-racial quando os pesquisadores abordaram a questão de forma indireta. A pesquisa constatou que houve queda em relação ao uma pesquisa do NOP da década de 90. Mas o índice de 2004 ainda assusta. Será que esses dados mudaram significativamente de lá para cá? Tenho minhas dúvidas...

A minha questão quanto às cotas do governo federal para pretos, pardos e indígenas recai, sobretudo, sobre as cotas para essa parcela da população com renda familiar superior a 1,5 salário mínimo. Se já fizeram a travessia para um patamar sócio-econômico mais digno, não vejo sentido em reservar vagas para eles.

No que se refere aos indígenas, fora a ínfima parcela destes que também fizeram a tal travessia, o consenso quanto à necessidade das cotas se faz novamente. Depois de dizimados aos milhões, os que ainda resistem em suas aldeias ou os que migram para a cidade enfrentam tantas dificuldades linguísticas, culturais e sócio-econômicas que só não são maiores que a famigerada dívida histórica que o Brasil tem com eles pelo extermínio de seus/nossos antepassados.

A principal crítica às cotas étnico-raciais refere-se à forma como a etnia é auferida – autodeclaração. Mas essa discussão não leva a lugar algum, pois não existe uma forma viável para se avaliar fenotípica e geneticamente se uma pessoa é preta ou parda... até porque a questão da identidade está intimamente ligada ao pertencimento étnico.
 
Desse modo, as cotas de acesso à educação profissional e superior ainda são essenciais, não como solução definitiva, mas como medida provisória de transição!

Elas representam a tentativa de superação do paradigma da seleção, da concorrência e da exclusão reinante em muitos processos seletivos e vestibulares até pouco tempo pelo paradigma do acesso e da inclusão nos processos de ingresso discente de universidades e institutos federais.

Mas será que, diante da iniciativa de se criar uma política afirmativa única e nacional para o acesso às universidades e institutos federais, não caberia priorizar e instituir outros tipos de cotas? 

Não caberia instituir cotas para os Portadores de Necessidades Especiais, que enfrentam, muitas vezes, torturantes dificuldades físicas e de acessibilidade, psicológicas e sociais para estudar alguns anos de sua vida e que já são cotistas em concursos públicos?

Não caberia instituir cotas para mulheres em cursos técnicos do eixo tecnológico de Controle e Processos Industriais ou em cursos de engenharia, tradicional e culturalmente, frequentados  por homens?

Não caberia instituir cotas para estudantes trabalhadores, sobretudo na Educação Profissional e Tecnológica, visto que estes não têm o mesmo tempo e espaço privilegiados para estudar e preparar-se para os processos de ingresso?

Com esses questionamentos, chamo a atenção para o fato de que qualquer processo de ingresso de estudantes em universidades e instituições federais de educação profissional acaba sendo, de uma forma ou de outra, um tanto quanto injusto, pois geralmente deixa pessoas de fora. O número de vagas é, na maioria das vezes, menor que a quantidade de candidatos. E aí, está instaurada a seleção.

As cotas, por mais abrangentes que se constituam, sempre serão um assunto polêmico, pois também acabam deixando uma ou outra parcela da população de fora, pois não podem ser aplicadas sobre 100% das vagas dos cursos técnicos ou superiores, pois o acesso à educação, no Brasil, deve ser universal. Todos, inclusive, os que tiveram condições de estudar em escolas particulares, têm o direito de estudar numa universidade pública ou num instituto federal.

Em meio a tudo isso, há de se refletir que a reserva de vagas não é a cura para a doença. Deve ser encarada apenas como um anestésico para os sintomas.

Portanto, é preciso ir além! É preciso, de fato, acelerar o tempo de transformação da sociedade e de construção de uma democracia plena e total – não confundir com totalitária – uma sociedade justa e sem pobreza, com uma distribuição de renda mais uniforme e condições de vida dignas para todos; uma sociedade verdadeiramente democrática, em que, nas palavras de Mário Quintana, todos tenham “o mesmo ponto de partida”.

Como quem acredita que essa mudança está sendo trilhada, o governo federal compromete-se a avaliar e revisar o que ele chama de “programa especial para o acesso” às instituições federais de ensino superior e técnico daqui a 10 anos, podendo alterá-lo, expandi-lo, reduzi-lo ou até suspendê-lo.

Mas será que até lá, realmente, teremos conseguido instaurar um novo projeto de sociedade que não precise mais de cotas?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

EDUCAÇÃO: É PRECISO FAZER A ESCOLHA CERTA!

Você viu a nova peça publicitária do CEI Mirassol, técnica e visualmente tão bonita e bem elaborada?

Bonitas imagens... parabéns, direção de Arte! Movimentos de câmara, trilha, locução... tudo se encaixa.

Tratando-se de uma peça publicitária de uma Escola, localizada em Natal/RN, porém, não tive como não me lembrar do seguinte texto de um sobrevivente endereçada a Janusz Korczak, disponível no site do Museu do Holocausto:

“Caro professor,

Sou um sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum ser humano deveria testemunhar: câmaras de gás construídas por engenheiros ilustres;  crianças envenenadas por médicos altamente especializados; recém-nascidos mortos por enfermeiros diplomados; mulheres e bebês assassinados e queimados por gente formada em ginásio, colégio e Universidade.

Por isso, caro professor, eu duvido da educação. E eu lhe formulo um pedido: ajude seus estudantes a se tornarem humanos. Seu esforço, professor, nunca deve produzir monstros eruditos e cultos, psicopatas e ‘Eichmans’ educados.

Ler, escrever, aritmética são importantes somente se servirem a tornar nossas crianças mais humanas.”
 

E o que essas linhas tem a ver com o filme publicitário da empresa educacional?

Sem dúvidas, não foi ela que roteirizou ou produziu o vídeo, mas, no universo publicitário, todo cliente precisa aprovar as peças de comunicação produzidas a partir dos planos de mídia contratados.

Logo, não há como não inferir que esse tipo de propaganda evidencia as concepções político-pedagógicas e a visão de mundo que a instituição de "educação" possui e irradia junto aos seus alunos.

E será que esses alunos estão se tornando "mais humanos" a partir de uma ação educacional baseada nesse tipo de concepção, em detrimento das inúmeras aprovações no vestibular e dos excelentes empregos conseguidos?

Operários - Tarsila do Amaral (1933)
Voltando ao vídeo... quer dizer, então, que aqueles que se dedicam às religiões afrodescentes não merecem respeito? Ser palhaço ou artista não é mais profissão? Voltamos ao início do século XX, quando atrizes eram chamadas de prostitutas?! E por que um juiz de direito é melhor que juiz de futebol? Pelo salário? Então, a escolha certa é ser engenheiro, médico e advogado?! Clichê, não?!

Como disse Eduardo Galeano, o melhor do mundo é, justamente, "a quantidade de mundos que ele contém”.

Só acrescentaria uma coisa: que os mundos que fazem nosso mundo possam ser mundos melhores, porque mais importante do que a quantidade e a diversidade, é o respeito a esta e a igualdade de condições dignas para todos que neles vivem!

Portanto, enquanto educador, não rechaço ou deprecio os trabalhadores que ganham mal; rechaço, sim, as empresas que pagam baixos salários aos seus trabalhadores.

Rechaço, sim, o fato de um palhaço -- profissional árduo, de uma beleza estética, ética e histórica -- não poder viver dignamente com o seu trabalho. Rechaço o trabalho indecente e as ocupações laborais degradantes... o trabalho escravo de crianças em carvoeiras; as condições laborais desumanas de boias-frias em vários canaviais do Brasil; a insegurança a que se submetem tantos mineradores... Disso, sim, tenho vergonha! Não gostaria que um filho meu ou qualquer indivíduo tivesse que se submeter a esse tipo de ocupação!

Diante de todas essas questões, a educação não é nem pode ser neutra. Logo, desconfie de toda instituição de educação e de todo educador que propague, em seu discurso ou em sua prática, a formação de sujeitos apenas tecnicamente competentes, que não questionam o mundo do trabalho, não refletem criticamente sobre a vida. Desconfie também daqueles educadores ou gestores educacionais que defendem ou ignoram a manutenção do status quo, com todas as suas injustiças, desigualdades, preconceitos, limitações...

Educação é, etimológica e epistemologicamente, movimento, mudança... e, aí acrescento, transformação individual e social!

É por isso que sempre digo: há formas e formas de ser fazer “educação”. Devemos, portanto, sempre nos perguntar a quem serve esta ou aquela educação.

Como diz o slogan, “é preciso fazer a escolha certa”!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

SEJAMOS VÂNDALOS!

Natal (RN) está passando por uma situação lastimável. Somando-se à inoperância da prefeitura e do governo estadual, aos escândalos no legislativo, ao abandono da cidade e aos seus famigerados buracos, um grupo de empresários do SETURN ( Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros do Município do Natal), concessionários de um direito/serviço público, decide, com o aval da prefeitura, aumentar a passagem de ônibus. Em seguida, por ter tido seu aumento revogado, suspendem o sistema de integração gratuita entre os ônibus, instituído pela prefeitura em 2009. O sistema de integração substituiu as antigas estações de transferência, buscando garantir a possibilidade de um passageiro pegar um segundo transporte gratuitamente num determinado tempo.

Influenciados por tudo isso, mas, sobretudo, pelo episódio do aumento da passagem, eis que algo muito feliz e positivo ocorre: a população potiguar, em sua maioria estudantes e trabalhadores usuários dos ônibus, sai da inércia e vai, mais uma vez na história recente da nossa cidade às ruas, fazer o que lhe resta – protestar!

Mas nem todos compreendem ou apoiam os protestos. Infelizmente, grande parte da população continua em casa, acomodada, anestesiada... Alguns até reclamam por ficarem parados no trânsito devido aos protestos.

E a polícia? A quem serve neste momento? Em vez de prender os criminosos, insuflam-se por um autoritarismo desmedido e associam as manifestações populares ao que há de pior, agindo com atitudes torpes de violência e desrespeito.

Outro fato que me entristece é a cobertura jornalística, que, muitas vezes, em detrimento do interesse público e central – a luta por um sistema de transporte público de qualidade – distorce fatos ou traz visões extremamente limitadas, cobrindo apenas um aspecto dos protestos: eles incomodam!
Numa democracia, protestos e manifestações populares não apenas são permitidos; são NECESSÁRIOS! Vivemos numa DEMOCRACIA REPRESENTATIVA em que elegemos políticos para nos representar e tomar as decisões sobre NOSSAS vidas! O que precisamos, contudo, diante de um histórico de decisões e ações de políticos que desrespeitam o interesse público, é lutar por uma DEMOCRACIA cada vez mais PARTICIPATIVA, em que nós cidadãos tomamos as rédeas das nossas vidas e ganhamos voz e vez por meio de conselhos comunitários, conferências públicas, fóruns, colegiados, audiências públicas, manifestações e ativismo político (não quero dizer partidário!).
É preciso incomodar-se, manifestar-se, agir, sim, buscando sempre conscientizar outras pessoas, anestesiadas pelo comodismo da representatividade ou pelo egoísmo de quem não se sente afetado pelos problemas sociais, econômicos e políticos! E isso, feliz ou infelizmente, incomoda às vezes, pois tira as pessoas anestesiadas de suas rotinas, de suas zonas de conforto.
Historicamente, tem sido assim. Os principais ganhos em lutas sociais vieram de protestos, mobilizações e, infelizmente, com algum tipo de radicalismo ou violência. Foi assim na Guerra de Canudos em 1896; na Revolta da Vacina em 1904; na Revolta de Contestados em 1912; nas manifestações contra a Ditadura Militar Brasileira, que culminaram no movimento das “Diretas Já” e na redemocratização do Brasil; foi assim nas lutas da década de 60 na França; no Chile desde 2011; tem sido assim nas lutas mais recentes na Líbia, Tunísia, Iemen, Egito e Turquia.
 
Sou totalmente contra qualquer tipo de violência. Acredito, quase sempre, na comunicação e no diálogo democrático como a melhor alternativa para a convivência harmônica. Mas sem recursos financeiros ou voz na grande mídia, sem estar em mesmo pé de igualdade e de poder que as autoridades políticas e os empresários, qual a alternativa da população?! Protestar!
Isso é “vagabundagem”?! Isso é vandalismo?! Segundo o Aurélio, vandalismo é a "destruição ou mutilação do que é notável pelo seu valor artístico ou tradicional". A história do termo está vinculada ao povo Vândalo (Vandali ou Wandeln), um dos povos bárbaros que invadiram e atacaram o Império Romano, provocando sua queda.
Se não fosse a conotação pejorativa atribuída ao termo, os protestantes de Natal poderiam, de maneira torta (os ônibus não tem valor artístico ou tradicional), ser considerados vândalos, pois eles também lutam pela queda de um império - o império dos empresários que exploram a população com preços abusivos e um transporte precário. Se não fosse a conotação perjorativa, diria: sejamos, então, todos vândalos!
Os manifestantes dos protestos contra os abusos do SETURN, entretanto, não estão atacando ninguém nem invadindo lugares, pois as ruas são públicas, isto é, do POVO! Os ônibus são propriedade privada, mas fazem parte do sistema de transportes públicos, isto é, do POVO! E se o direito desse POVO está sendo ameaçado, com passagens abusivas ou com o fim do sistema da integração gratuito, esse mesmo povo – me incluo aí - tem, sim, o direito de protestar. Gritando, fazendo passeatas, faixas e cartazes, movimentos nas redes sociais, panelaços, “roletaços” e, infelizmente, como medida extrema, depredando patrimônio, o que, na minha opinião, deve ser adiado e evitado ao máximo.
No caso específico dos protestos contra o fim da integração nos ônibus de Natal, sou contra a queimada dos ônibus ou qualquer depredação do patrimônio público ou privado ou qualquer violência contra qualquer cidadão. Ainda em relação à queima dos ônibus, há de se apurar os fatos, pois os protestos contra o aumento da passagem e pelo passe livre têm sido sempre pacíficos e nunca optaram por esse tipo de ação.
Penso que, se o Ministério Público não conseguisse impedir que os empresários descumprissem a legislação, fazendo-os retomar a integração gratuita, aí, sim, talvez, fosse necessário radicalizar o movimento, pois diante das injustiças ou da inoperância dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, de fato, a população não tem muitas alternativas.
Fico me perguntando por que as pessoas que se indignam profundamente com a queimada de um ônibus não se indignam com o aumento da passagem, numa cidade pequena como Natal, com uma tarifa já das mais caras do Nordeste e ônibus dos mais velhos do Brasil?
Por que essas pessoas que se revoltam com a queimada dos ônibus não se revoltaram com o fim da integração gratuita dos ônibus, fundamental para o traslado de estudantes e trabalhadores?
Por que essas pessoas não se revoltam com o autoritarismo e a violência desnecessária com que a polícia tem tratado jovens estudantes e trabalhadores nos protestos pelo transporte público?
Por que não se revoltam com o fato de o governo estadual ter reduzido 7,6 % do orçamento da saúde e elevado em 56,9% o orçamento de propaganda na proposta orçamentária de 2013?
Por que essas pessoas não se revoltam com o nosso pífio sistema público de saúde e apenas pagam seus planos de saúde enquanto milhares de pessoas se amontoam para utilizar o SUS?
Por que essas pessoas não se revoltam com a destroçada situação da educação pública e apenas matriculam seus filhos em escolas privadas?
Por que essas pessoas não se revoltam com a miséria e a fome que assola nosso país?
Isso, sim, me revolta!

sexta-feira, 18 de maio de 2012

AFINAL, O QUE QUEREM AS MULHERES?

Nas últimas semanas, mais do que em qualquer época, tenho me feito, repetidas vezes, essa pergunta, que já foi título de uma série na TV Globo.

O questionamento tornou-se frequente depois de uma aula em que debatia o tema relacionamento e, especificamente, o que homens e mulheres esperavam de um(a) companheiro(a) ao relacionar-se. Numa turma de maioria adolescente e feminina, logo veio um discurso recorrente entre as meninas: "sucesso profissional e estabilidade financeira".

Estranhei, indaguei, mas era isso mesmo... As jovens, realmente, estavam afirmando que era muito importante que o companheiro pudesse lhes proporcionar conforto financeiro e, mais, que assim pensavam a maioria de suas colegas!
Cleópatra representa o poder da mulher



Os dias se passaram e, por um tempo, quase me esqueci do episódio. Até que um dia estava eu conversando com um colega e duas colegas de trabalho sobre os papeis que o homem e a mulher desempenhavam num relacionamento. E estava eu ali, de novo, estranhando o fato de eu e meu colega estarmos defendendo a emancipação, a igualdade de direitos e a valorização da mulher enquanto nossas colegas diziam querer tudo isso, mas "sem sobrepor a voz de comando e a última palavra que o homem precisava ter no casamento". Segundo elas, nós homens precisávamos ainda ganhar mais para dar-lhes segurança e conforto.

Voz de comando?! Última palavra?! Ganhar mais?! Ainda existiam mulheres pensando assim? Para uma das colegas e minhas alunas, a maioria! Por quê?! Para quê?! Uns alegam que é uma condição biológica. "A mulher é mais frágil; precisa da proteção masculina. A mulher, institivamente, busca um companheiro capaz de lhe prover as melhores condições de vida para si e para os filhos que almeja reproduzir". Isso não me convence! 

Penso que esse comportamento é muito mais social, cultural, ideológico e histórico do que biológico. Se fosse preponderantemente biológica essa condição não haveria espaço para sociedades matriarcais relevantes como os Nagovisi, na Austrália, ou o povo de Meghalaya, no nordeste indiano, que talvez seja o único local do planeta que possui um movimento de emancipação masculina: o Synkhong Rympei Thymmai.

Miss Fisiculturismo 2009. Frágil, né?!
O sexo é biológico, mas o gênero não. Assim, as mulheres não nascem mulheres (fragilizadas ou submissas), elas se tornam mulheres (fragilizadas ou submissas). O problema é que essa “liderança” e essa “superioridade” do homem foi tão reproduzida ao longo da história que internalizamos como um traço quase genotípico.

Em outra ocasião, perguntei a uma outra colega se ela concordava com essa diferença salarial e sobrepujança do homem sobre as mulheres. Ela titubeou... mas, sim, concordava. Queria que seu marido ganhasse mais que ela. "Por quê?" Perguntei-lhe. "Não sei", disse ela. Você não tem anseio de ganhar bem? Construir sua carreira profissional ou acadêmica e seus ganhos financeiros independente de outra pessoa? Será que é por que você acha mais fácil para o homem ganhar mais? "Será?!", refletiu ela.

Mas por que essas posturas estavam me incomodando? Por que elas me incomodam e sempre incomodaram? O que está por trás desse imaginário? Quais as consequências dessas concepções e atitudes?

Que lugar essas mulheres querem (são conduzidas a querer) para si na sociedade? O lugar da submissão? Da voz e do papel secundários? Dos salários menores que os dos homens? Não querem uma carreira promissora? Quais são suas ambições pessoais?

Minha preocupação é que da voz de comando ao autoritarismo, à violência simbólica (psicológica e social) e à física há um limiar tão ínfimo. Isso tudo e o machismo são o mesmo assunto. Para que voz de comando se num relacionamento os dois podem decidir em conjunto, em pé de igualdade? Por que o homem precisa ganhar mais se ambos podem ganhar a mesma coisa... se o homem pode ganhar menos... se o homem pode nem trabalhar se ambos concordarem... se a mulher pode ganhar menos ou nem trabalhar, SE ASSIM QUISER? Vamos basear nossos relacionamentos interpessoais na economia... no capital (como se não bastassem as relações socioeconômicas...)?

O que ocorre é que, tendo voz de comando, ganhando mais, pagando as contas da casa, comprando presentes ou pagando cursos da esposa, alguns homens (não encontrei um nome mais apropriado...) pensam que são proprietários de suas mulheres (coisas?!) e que elas lhe devem obediência e submissão por isso.

Um fato a ser considerado: mulheres são mães. E não por genética, mas por educação, reforçam, às vezes, essa voz de comando dos homens ao reproduzir esse modelo na criação de seus filhos, priorizando-os em detrimento de filhas, concedendo-lhes privilégios, denegrindo a imagem das mulheres com que eles se relacionam, acobertando traições e atitudes de violência. Por isso e pela estupidez de muitos homens, a cada cinco minutos, uma mulher é vítima de violência no Brasil... Segundo relatório de uma pesquisa do sociólogo Júlio Jacobo, enviado ao Ministério da Justiça em 2012, em cerca de 70% dos casos, quem espanca ou mata a mulher é o namorado, marido ou ex-marido. Enfim, enquanto os homens morrem na rua, as mulheres morrem em casa.

Não quero, com tudo isso, inflamar o feminismo ou a qualquer luta pela supremacia da mulher. Como diria minha irmã, é apenas a reivindicação por igualdade de respeito e de condições de vida digna independente do sexo ou do gênero! Somando-se ao combate contra o pensamento chauvinista masculino (ainda) hegemônico, no fim de semana subsequente àquela conversa no trabalho que tive, vi uma reportagem no Fantástico, da TV Globo, que, mais do que dados alarmantes sobre violência contra mulher no Brasil, traz um exemplo de mulher que não se submete a qualquer diminuição baseada no gênero, a delegada Susane Ferreira: 



Se não concordam comigo ou com a delegada do vídeo, se não querem igualdade de condições humanas e socioeconômicas, afinal, o que querem, vocês mulheres?!!! Ajudem-nos a entender...