Às vésperas do processo eleitoral
para reitor e diretores gerais de campi
do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), instituição da qual tenho profundo
orgulho de ter sido aluno e agora técnico e gestor, o termo “gestão
democrática” volta a ser tema recorrente nas falas de muitos que discutem os
rumos políticos da Instituição e entre as propostas e programas dos candidatos
aos cargos elegíveis – ora como compromisso, ora como promessa vaga.
Diante de tantos discursos e das
mais diversas práticas de gestão, que reivindicam para si a alcunha
“democrática”, não podemos deixar de perguntar: de que gestão democrática
estamos falando mesmo?
Para essa pergunta, muitas são as
respostas. Menos porque muitas são as possibilidades de modelos de gestão
democrática e mais porque são diferentes nossos níveis de conhecimento sobre o
que é assumir a democracia como cerne de uma gestão e, principalmente, sobre
como implementar concretamente esse modelo, tendo em vista que ele não é um fim
em si mesmo.
Como sempre estive comprometido
com um projeto societário de participação, justiça social e democracia total e
como nas escolas em que trabalhei, já incluindo meus primeiros anos no IFRN, a
maior parte das minhas estadias foi na função de gestor, avalio que sempre
busquei ser um gestor democrático. Afinal, sempre trabalhei com base no diálogo
democrático, sempre fui favorável à participação daqueles que se afetam direta
e indiretamente nas tomadas de decisões, inclusive no processo de planejamento
e definição de recursos, e sempre defendi e participei da construção coletiva
dos projetos políticos pedagógicos (PPP) com os quais me deparei.
E assim segui acreditando, até
ser questionado e adjetivado de forma contundente como um gestor aquém do que
se almejava como democrático. Embora tenha discordado com veemência do rótulo
que tentavam me vestir e, apesar da dificuldade – decrescente – de acolher críticas alheias
quando eivadas de agressividade ou intenções desconstrutivas, tenho como uma das minhas características mais
marcantes a capacidade de autocrítica e de autoanálise. Coloquei-me, então, a refletir...
Que falha(s) havia cometido? Que
brecha(s) havia deixado para que alguém pudesse questionar meus compromissos e
práticas pautadas na democracia?
Para além das questões pessoais motivadoras, concluí que aquilo tinha haver
com dois motivos: 1) havia sido indicado a assumir funções de gestão, sem
consulta ou sem eleição, e 2) sempre fui um trabalhador, gestor ou não, técnico
ou docente, resolutivo, proativo, workaholic
em processo de “cura” (demora, viu?! Rsrs) e, para alguns, relativamente centralizador.
Se essas constatações não são
suficientes para taxar um gestor como antidemocrático, certamente eram um
indicativo de que eu ainda tinha o que aprender dentro do modelo de gestão
democrática. E assim o fiz com humildade e vontade de avançar naquilo que
sempre defendi, porque acredito que, sim, as pessoas não apenas podem mudar,
como assim devem fazê-lo sempre que necessário à conduta ética e ao bem comum.
De qualquer forma, é preciso ter
muita clareza de que um modelo de gestão democrática em uma escola, em um instituto
federal ou em uma universidade não se resume ao processo democrático e direto de escolha de seus
dirigentes. Além disso, é preciso buscar estratégias que garantam:
- a autonomia institucional;
- o acesso democrático e público às ofertas e ações educacionais;
- o respeito à diversidade e à inclusão;
- o fortalecimento e/ou a criação de órgãos colegiados e comissões;
- a construção e a implementação coletiva do PPP e demais documentos institucionais; e
- a participação efetiva da comunidade nas tomadas de decisão, inclusive na ordem do planejamento e da aplicação de recursos.
Alguns, inclusive, assumem o fato
de elegerem representantes enquanto gestores como a justificativa para o
enfraquecimento da participação ativa nos processos decisórios. Aí certamente
está o problema do modelo de gestão democrática com ênfase – ou quase
exclusividade – na REPRESENTATIVIDADE. A gestão democrática que defendo deve
ter como foco, de modo distinto, a PARTICIPAÇÃO de todos, o que distribui a
ênfase das prerrogativas do modelo com as outras ações que se somam à escolha
dos dirigentes, sem enfraquecê-la, é claro.
Certamente, como a participação
não é dádiva ou concessão, mas processo e conquista, é fato que, se esse processo
não se resume ou não está garantido na escolha direta e democrática de gestores,
ele começa com essa ação e não pode prescindir dela para construir esse modelo
de gestão e para manter a coerência com um projeto mais amplo de democracia.
Nessa perspectiva, a gestão
democrática participativa torna-se um paradigma imprescindível à gestão educacional,
não por ser um dogma repetido por pedagogos, pesquisadores das Ciências da
Educação, sindicalistas, pela legislação vigente ou pelo próprio PPP do IFRN,
mas porque a participação direta nas tomadas de decisão de uma instituição de
educação é uma lição à sociedade sobre o que é democracia, é um direito e um dever não
apenas de todos os gestores, professores e técnicos, mas de estudantes, pais e
cidadãos da comunidade externa.
Se há um docente ou técnico
participativo que não quer estar ou simplesmente não pode estar numa função de
gestão, se há um aluno participativo que não quer ou não pode estar na gestão
do movimento estudantil, se há um pai ou um agente comunitário que quer
contribuir com as questões que lhe afetam na escola, os espaços de participação,
consulta e deliberação coletiva devem estar garantidos a eles, seja na escolha
de seus gestores ou na tomada de decisões planejadas e cotidianas.
Isso é utópico? Isso não é mais
difícil de implementar? Certamente! Não só porque lidar com a diversidade de
posições nos processos decisórios é mais difícil, como também por, em estando acostumados
com o modelo da representatividade, furtamo-nos de participar e de contribuir
em diversos momentos das nossas vidas institucionais e políticas.
Por isso, precisamos recorrer à Profª. Safira Ammann, que, em seus estudos e análises, aponta
três condições estratégicas e concretas para que a participação seja efetivada
e os processos de decisão tenham fluidez dentro do paradigma da gestão
democrática: a informação, a motivação e a educação para participar.
Ora, não se participa sem o esclarecimento das
pessoas sobre o porquê participar e quais os objetivos e as funções de sua
participação. Aqueles que já entenderam os porquês da participação, de forma
global ou sobre uma questão específica, devem colaborar com a identificação e a
disseminação das razões que podem motivar outros sujeitos a participarem. A educação
para participar tem a ver não apenas com a formação inicial e continuada sobre
o modelo de gestão democrática, sobre os mecanismos de participação e
constituição de colegiados e comissões, mas também com o exercício permanente da
práxis participativa no cotidiano educacional.
Infelizmente, ainda há gestores
reticentes sobre o seu papel e seu “poder” no modelo de gestão democrática.
Ainda há gestores, parcial ou totalmente, impregnados com a verticalidade do
paradigma tradicional de gestão e, por isso, consideram-se superiores por haverem sido
escolhidos como tais ou pelo conhecimento acumulado. Eles sentem dificuldade de entender que estão gestores, mas são, antes, servidores, inclusive, em geral, servidores participativos a quem não poderia ser negado o direito de participar. Não é incomum que esses
gestores apelem em nome do seu CPF, a ser responsabilizado se algo decidido ou não
decidido pela maioria for incoerente com suas expectativas.
Jean Jacques Rousseau |
Portanto, se a vontade deve ser geral
e não do gestor, seu papel acaba sendo de promover o esclarecimento, articular,
estimular e sistematizar essas vontades, em um processo de idas e vindas, em
que se tece a partir do dissenso, do consenso e o do aprendizado sobre o
respeito às diferenças.
Na gestão democrática, que adota
relações de poder pautadas na horizontalidade, os acertos, portanto,
multiplicam-se, já que refletem os esforços de todos ou, ao menos, de muitos.
De modo análogo, os eventuais equívocos são divididos, subtraídos da carga
exclusiva do gestor, que, certamente, encontrará respaldo e apoio do grupo ou
das instâncias colegiadas que construíram aquela decisão.
Com reflexão e aprendizado, o
gestor – entre os quais me incluo – e a comunidade – na qual também me incluo – precisam ter em mente que a
participação coletiva demanda outros tempos e outros espaços, antes aligeirados
por decisões centralizadas ou concentradas. Esse aprendizado é uma tarefa
difícil para os resolutivos!
A comunidade, por sua vez,
necessita compreender que as decisões e os fluxos de gestão são fundamentais
para a efetividade e a qualidade social da unidade educacional. Assim, mesmo sendo construídas
e conquistadas as possibilidades de participação, a execução do planejamento,
dos planos de trabalho, dos projetos coletivos e, sobretudo, a efetivação da
função social da escola não poderá esperar os tempos individuais de parte desses
atores ou a negligência pontual de alguns deles, em detrimento dos tempos necessários aos
processos de transformação social. Nesses casos, grupos menores, mais informados,
mais esclarecidos e conscientes quanto à necessidade de participação efetiva acabarão
por resolver questões deixadas de lado por parte do coletivo, ainda carente de
esclarecimento, motivação e formação.
Para alguns, o gestor
democrático, menos absoluto e mais articulador, pode ser encarado como inoperante.
Aqueles, certamente, ainda precisam avançar muito na compreensão do quê e dos
porquês da gestão democrática.
Nesse sentido, a defesa da gestão
democrática coaduna-se com o que Bordenave postula sobre a participação: fazer parte, tomar parte ou ter parte. Vamos além. Não adianta fazer parte ou ter
parte sem tomar parte! Na gestão democrática participativa total, gerem-se
ideias, documentos, atividades, ofertas, projetos, eventos e processos.
Pessoas, dotadas, ontologicamente, de subjetividade e autonomia, são ingeríveis
ou, melhor, autogeríveis. Logo, não devemos ficar a mercê da manipulação hierárquica advinda
de práticas autocráticas ou forjadas na gestão democrática representativa, abrindo mão de
tomar parte daquilo que é nosso direito, dever profissional e função social.
Assim, concluímos e concordamos
com Pedro Demo, quando ele diz que, “por tendência histórica, primeiro
encontramos a dominação, e depois, se conquistada, a participação. Dizer que
não participamos porque nos impedem, não seria propriamente o problema, mas
precisamente o ponto de partida. Caso contrário, montaríamos a miragem
assistencialista, segundo a qual somente participamos se nos concederem a
possibilidade”.
É dessa gestão democrática que estamos falando!
Para saber mais sobre participação na gestão educacional, leia o texto da querida colega Profª Pauleany Simões de Morais, uma expoente referência para mim nesse campo: Participação como forma de ampliação dos espaçosdemocráticos: concepções e perspectivas para gestão da escola