No dia 16 de outubro, um dia após o Dia do Professor, o Fantástico exibiu uma matéria sobre o professor Jordenes, que, segundo a reportagem, havia diminuído os índices de violência do bairro em que sua escola está localizada. A história é bonita. Inspiradora. A trilha sonora e as tomadas de câmera ajudam a criar essa atmosfera.
Mas, diante do título da notícia publicada no site do programa e da matéria em si – online e em vídeo – não pude deixar de me questionar: um único professor é mesmo capaz de reduzir os índices de violência de um bairro inteiro? E se ele for capaz, esse acontecimento pontual pode facilmente reproduzir-se em outras escolas e bairros? Qual é o papel da educação na redução da violência? Mais ainda: qual é o papel da educação na trasnformação social?
Hoje em dia é praticamente consensual que a educação desempenha um importante papel no processo de transformação social. Como a própria etimologia da palavra sugere, os significados de educação – ex ducere, conduzir ou levar para fora – e de pedagogia – meninos (paídes), conduzir (ágo) – perpassam a ideia de movimento. É difícil discordar disso, pois é este um dos ideais mais repetidos por aqueles que escolheram a carreira de educador. Portanto, para além da comprovação prática desse consenso, a educação, em sua essência, no mínimo, objetiva contribuir com a transformação da sociedade.

Para alcançarmos tudo isso, dependemos, sim, da educação. Mas também dependemos de comida, de gestores públicos comprometidos e competentes, de políticas públicas de emprego, geração e distribuição de renda, de acesso ao lazer, das estruturas e conjunturas econômicas, políticas e sociais – isso para resumir as inúmeras variáveis.
Não estou, assim, defendendo que as mudanças sociais dependem, exclusivamente, das mudanças na estrutura do poder e, consequentemente, no sistema de produção. Apenas estou dizendo que, de modo semelhante, não dependem, exclusivamente, da educação. O mundo, a sociedade, os indivíduos e suas relações são muito mais complexas do que essa proporção direta, essa hierarquia entre mérito educacional e ascenção social e, inclusive, do que essa interdependência de estruturas, cuja revolução teórica não garante, na vida real, revoluções ou transformações sociais plenas.
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Paulo Freire |
Uma vez, Paulo Freire, autor de livros como a Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Autonomia e Pedagogia da Eperança, depois de anos acreditando na ideia do mérito educacional, disse: “o meu erro não foi eu não ter reconhecido a importância fundamental de um dado conhecimento da realidade no processo da sua transformação, mas antes o fato de não considerar estes dois momentos diferentes – o conhecimento da realidade e o trabalho de transformar essa realidade”. A partir dos anos 70, Freire, finalmente, reconhecia o que, ainda hoje, tem gente confundindo – descobrir a realidade não significa transformá-la!
Desse modo, ele sintetizou o principal papel da educação e dos educadores no processo de transformação social – transformar as pessoas para agirem criticamente no mundo, não apenas sendo capazes de se adaptar ao sistema uma vez embuídas dos saberes necessários para isso, mas, igualmente ou sobretudo, capazes de se emancipar, de lutar conscientemente pelas mudanças do nosso mundo!
Considero idealista e perigoso imputar à educação e aos educadores o papel principal na redução das mazelas sociais. Afinal, a quem interessa construir essa imagem de educadores heróis e redentores da sociedade?