terça-feira, 7 de julho de 2015

DESABAFO SOBRE A TÃO FALADA GESTÃO DEMOCRÁTICA...

Às vésperas do processo eleitoral para reitor e diretores gerais de campi do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), instituição da qual tenho profundo orgulho de ter sido aluno e agora técnico e gestor, o termo “gestão democrática” volta a ser tema recorrente nas falas de muitos que discutem os rumos políticos da Instituição e entre as propostas e programas dos candidatos aos cargos elegíveis – ora como compromisso, ora como promessa vaga.


Diante de tantos discursos e das mais diversas práticas de gestão, que reivindicam para si a alcunha “democrática”, não podemos deixar de perguntar: de que gestão democrática estamos falando mesmo?

Para essa pergunta, muitas são as respostas. Menos porque muitas são as possibilidades de modelos de gestão democrática e mais porque são diferentes nossos níveis de conhecimento sobre o que é assumir a democracia como cerne de uma gestão e, principalmente, sobre como implementar concretamente esse modelo, tendo em vista que ele não é um fim em si mesmo.

Como sempre estive comprometido com um projeto societário de participação, justiça social e democracia total e como nas escolas em que trabalhei, já incluindo meus primeiros anos no IFRN, a maior parte das minhas estadias foi na função de gestor, avalio que sempre busquei ser um gestor democrático. Afinal, sempre trabalhei com base no diálogo democrático, sempre fui favorável à participação daqueles que se afetam direta e indiretamente nas tomadas de decisões, inclusive no processo de planejamento e definição de recursos, e sempre defendi e participei da construção coletiva dos projetos políticos pedagógicos (PPP) com os quais me deparei.

E assim segui acreditando, até ser questionado e adjetivado de forma contundente como um gestor aquém do que se almejava como democrático. Embora tenha discordado com veemência do rótulo que tentavam me vestir e, apesar da dificuldade –  decrescente – de acolher críticas alheias quando eivadas de agressividade ou intenções desconstrutivas,  tenho como uma das minhas características mais marcantes a capacidade de autocrítica e de autoanálise. Coloquei-me, então, a refletir...

Que falha(s) havia cometido? Que brecha(s) havia deixado para que alguém pudesse questionar meus compromissos e práticas pautadas na democracia?

Para além das questões pessoais motivadoras, concluí que aquilo tinha haver com dois motivos: 1) havia sido indicado a assumir funções de gestão, sem consulta ou sem eleição, e 2) sempre fui um trabalhador, gestor ou não, técnico ou docente, resolutivo, proativo, workaholic em processo de “cura” (demora, viu?! Rsrs) e, para alguns, relativamente centralizador.

Se essas constatações não são suficientes para taxar um gestor como antidemocrático, certamente eram um indicativo de que eu ainda tinha o que aprender dentro do modelo de gestão democrática. E assim o fiz com humildade e vontade de avançar naquilo que sempre defendi, porque acredito que, sim, as pessoas não apenas podem mudar, como assim devem fazê-lo sempre que necessário à conduta ética e ao bem comum.

De qualquer forma, é preciso ter muita clareza de que um modelo de gestão democrática em uma escola, em um instituto federal ou em uma universidade não se resume ao processo democrático e direto de escolha de seus dirigentes. Além disso, é preciso buscar estratégias que garantam:
  • a autonomia institucional; 
  • o acesso democrático e público às ofertas e ações educacionais; 
  • o respeito à diversidade e à inclusão; 
  • o fortalecimento e/ou a criação de órgãos colegiados e comissões; 
  • a construção e a implementação coletiva do PPP e demais documentos institucionais; e 
  • a participação efetiva da comunidade nas tomadas de decisão, inclusive na ordem do planejamento e da aplicação de recursos.
Logo, fica claro que a escolha democrática de dirigentes não é salvação para os problemas de gestão de uma instituição educacional.

Alguns, inclusive, assumem o fato de elegerem representantes enquanto gestores como a justificativa para o enfraquecimento da participação ativa nos processos decisórios. Aí certamente está o problema do modelo de gestão democrática com ênfase – ou quase exclusividade – na REPRESENTATIVIDADE. A gestão democrática que defendo deve ter como foco, de modo distinto, a PARTICIPAÇÃO de todos, o que distribui a ênfase das prerrogativas do modelo com as outras ações que se somam à escolha dos dirigentes, sem enfraquecê-la, é claro.

Certamente, como a participação não é dádiva ou concessão, mas processo e conquista, é fato que, se esse processo não se resume ou não está garantido na escolha direta e democrática de gestores, ele começa com essa ação e não pode prescindir dela para construir esse modelo de gestão e para manter a coerência com um projeto mais amplo de democracia.

Nessa perspectiva, a gestão democrática participativa torna-se um paradigma imprescindível à gestão educacional, não por ser um dogma repetido por pedagogos, pesquisadores das Ciências da Educação, sindicalistas, pela legislação vigente ou pelo próprio PPP do IFRN, mas porque a participação direta nas tomadas de decisão de uma instituição de educação é uma lição à sociedade sobre o que é democracia, é um direito e um dever não apenas de todos os gestores, professores e técnicos, mas de estudantes, pais e cidadãos da comunidade externa.

Se há um docente ou técnico participativo que não quer estar ou simplesmente não pode estar numa função de gestão, se há um aluno participativo que não quer ou não pode estar na gestão do movimento estudantil, se há um pai ou um agente comunitário que quer contribuir com as questões que lhe afetam na escola, os espaços de participação, consulta e deliberação coletiva devem estar garantidos a eles, seja na escolha de seus gestores ou na tomada de decisões planejadas e cotidianas.

Isso é utópico? Isso não é mais difícil de implementar? Certamente! Não só porque lidar com a diversidade de posições nos processos decisórios é mais difícil, como também por, em estando acostumados com o modelo da representatividade, furtamo-nos de participar e de contribuir em diversos momentos das nossas vidas institucionais e políticas.

Por isso, precisamos recorrer à Profª. Safira Ammann, que, em seus estudos e análises, aponta três condições estratégicas e concretas para que a participação seja efetivada e os processos de decisão tenham fluidez dentro do paradigma da gestão democrática: a informação, a motivação e a educação para participar.

Ora, não se participa sem o esclarecimento das pessoas sobre o porquê participar e quais os objetivos e as funções de sua participação. Aqueles que já entenderam os porquês da participação, de forma global ou sobre uma questão específica, devem colaborar com a identificação e a disseminação das razões que podem motivar outros sujeitos a participarem. A educação para participar tem a ver não apenas com a formação inicial e continuada sobre o modelo de gestão democrática, sobre os mecanismos de participação e constituição de colegiados e comissões, mas também com o exercício permanente da práxis participativa no cotidiano educacional.

Infelizmente, ainda há gestores reticentes sobre o seu papel e seu “poder” no modelo de gestão democrática. Ainda há gestores, parcial ou totalmente, impregnados com a verticalidade do paradigma tradicional de gestão e, por isso, consideram-se superiores por haverem sido escolhidos como tais ou pelo conhecimento acumulado. Eles sentem dificuldade de entender que estão gestores, mas são, antes, servidores, inclusive, em geral, servidores participativos a quem não poderia ser negado o direito de participar. Não é incomum que esses gestores apelem em nome do seu CPF, a ser responsabilizado se algo decidido ou não decidido pela maioria for incoerente com suas expectativas. 

Jean Jacques Rousseau
No entanto, como diria Rousseau, “se, quando o povo suficientemente informado delibera, não tivessem os cidadãos qualquer comunicação entre si, do grande número de pequenas diferenças resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa”.

Portanto, se a vontade deve ser geral e não do gestor, seu papel acaba sendo de promover o esclarecimento, articular, estimular e sistematizar essas vontades, em um processo de idas e vindas, em que se tece a partir do dissenso, do consenso e o do aprendizado sobre o respeito às diferenças.

Na gestão democrática, que adota relações de poder pautadas na horizontalidade, os acertos, portanto, multiplicam-se, já que refletem os esforços de todos ou, ao menos, de muitos. De modo análogo, os eventuais equívocos são divididos, subtraídos da carga exclusiva do gestor, que, certamente, encontrará respaldo e apoio do grupo ou das instâncias colegiadas que construíram aquela decisão.

Com reflexão e aprendizado, o gestor – entre os quais me incluo – e a comunidade –  na qual também me incluo – precisam ter em mente que a participação coletiva demanda outros tempos e outros espaços, antes aligeirados por decisões centralizadas ou concentradas. Esse aprendizado é uma tarefa difícil para os resolutivos!

A comunidade, por sua vez, necessita compreender que as decisões e os fluxos de gestão são fundamentais para a efetividade e a qualidade social da unidade educacional. Assim, mesmo sendo construídas e conquistadas as possibilidades de participação, a execução do planejamento, dos planos de trabalho, dos projetos coletivos e, sobretudo, a efetivação da função social da escola não poderá esperar os tempos individuais de parte desses atores ou a negligência pontual de alguns deles, em detrimento dos tempos necessários aos processos de transformação social. Nesses casos, grupos menores, mais informados, mais esclarecidos e conscientes quanto à necessidade de participação efetiva acabarão por resolver questões deixadas de lado por parte do coletivo, ainda carente de esclarecimento, motivação e formação.

Para alguns, o gestor democrático, menos absoluto e mais articulador, pode ser encarado como inoperante. Aqueles, certamente, ainda precisam avançar muito na compreensão do quê e dos porquês da gestão democrática.

Nesse sentido, a defesa da gestão democrática coaduna-se com o que Bordenave postula sobre a participação: fazer parte, tomar parte ou ter parte. Vamos além. Não adianta fazer parte ou ter parte sem tomar parte! Na gestão democrática participativa total, gerem-se ideias, documentos, atividades, ofertas, projetos, eventos e processos. Pessoas, dotadas, ontologicamente, de subjetividade e autonomia, são ingeríveis ou, melhor, autogeríveis. Logo, não devemos ficar a mercê da manipulação hierárquica advinda de práticas autocráticas ou forjadas na gestão democrática representativa, abrindo mão de tomar parte daquilo que é nosso direito, dever profissional e função social.

Assim, concluímos e concordamos com Pedro Demo, quando ele diz que, “por tendência histórica, primeiro encontramos a dominação, e depois, se conquistada, a participação. Dizer que não participamos porque nos impedem, não seria propriamente o problema, mas precisamente o ponto de partida. Caso contrário, montaríamos a miragem assistencialista, segundo a qual somente participamos se nos concederem a possibilidade”.

É dessa gestão democrática que estamos falando!

Para saber mais sobre participação na gestão educacional, leia o texto da querida colega Profª Pauleany Simões de Morais, uma expoente referência para mim nesse campo: Participação como forma de ampliação dos espaçosdemocráticos: concepções e perspectivas para gestão da escola