sábado, 10 de novembro de 2012

LEI DE COTAS: INCLUSÃO DE MINORIAS OU EXCLUSÃO DA MAIORIA?

No dia 11 de outubro de 2012, foram publicados o Decreto 7.824 e a Portaria Normativa Nº 18, que regulamentaram a Lei Nº 12.711, popularizada como Lei de Cotas. Desde então, universidades federais e instituições federais de educação profissional e tecnológica (Institutos Federais, Cefet’s e Escolas Técnicas vinculadas a universidades) passaram a ter que reservar, no mínimo, 50% de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, resguardando, ainda, cotas para pretos, pardos e indígenas e para candidatos com renda familiar bruta de até 1,5 salário-mínimo per capta.

Comunicação Social do IFRN
O assunto é polêmico! De um lado, defesas fervorosas e socialmente engajadas de quem acredita que as cotas combatem e amenizam as distorções sociais, econômicas e culturais que as minorias (no nosso caso maioria!), historicamente, têm enfrentado. De outro, interpelações angustiadas de quem argumenta que esse tipo reserva é sinal de protecionismo ou de “preconceito invertido” e que limita o acesso universal às vagas para quem não preenche os pré-requisitos das reservas.

Um fato: independente de uma ou de outra posição, o Decreto já foi aprovado e universidades federais e instituições federais de educação profissional terão que se adaptar e implementar uma política afirmativa nacional que se adeque à legislação. 

Embora se argumente que o projeto tramitava há quatro anos no Congresso Nacional, pouco ou nenhum destaque político e midiático vinha se dando a ele. De repente, o projeto de lei foi aprovado e, logo em seguida, saiu o decreto que o regulamentou.

O governo teve e tem pressa! “Não deu tempo” nem de ouvir as universidades e institutos federais, que, em sua maioria, já possuíam, há anos, alguma política afirmativa, além de terem produzido e acumulado conhecimento sobre o assunto.

Muitas instituições tiveram que alterar editais e, consequentemente, adotar novas regras e datas para, inclusive, os processos em andamento. No Rio Grande do Norte, foi assim com a UFRN e com o IFRN. Este último, inclusive, que já reserva 50% de suas vagas em cursos técnicos para alunos de escola pública desde 1994 e em cursos superiores desde 2004, teve que lançar novas regras para um processo de ingresso que já havia publicado, inclusive, seu resultado parcial.

Nesse cenário, o SISU, Sistema de Seleção Unificada, processo de ingresso do Ministério da Educação que preenche as vagas do ensino superior em todo país, também terá que se adaptar. No ato da inscrição, segundo a Portaria Normativa Nº 21/1012-MEC, os candidatos terão que optar se concorrerão às vagas reservadas ou às vagas gerais, não podendo concorrer nas duas formas.

O estranho é que qualquer vaga reservada em um processo de ingresso discente pretende-se essencialmente como uma oportunidade a mais de inclusão. Deve, portanto, ser mais uma oportunidade de acesso; não a única. Logo, as vagas gerais de qualquer processo seletivo devem poder ser preenchidas por qualquer candidato, pois estas se baseiam apenas na avaliação do candidato, independente de seu perfil sócio-econômico, étnico-racial e histórico escolar. Se são gerais, não podem ficar restritas aos candidatos que não podem preencher as vagas reservadas; caso contrário, não seriam vagas gerais. Seriam vagas para não cotistas!

Qual a lógica de um candidato que se declare preto e que sempre tenha estudado em escola pública, com renda familiar inferior a 1,5 salário-mínimo, com uma nota de 600 pontos não poder preencher uma vaga geral enquanto que um candidato que sempre estudou em escola privada e que tem uma nota de 550 pontos pode fazê-lo? Nenhuma!

Voltando à questão da reserva de vagas para o ingresso em cursos técnicos e superiores de graduação, é quase consensual essa necessidade para os candidatos de família de baixa renda e para alunos de escola pública.

Afinal, vivemos num país que, em detrimento dos inúmeros avanços sócio-econômicos dos últimos anos, ainda é economicamente desigual, e tem, segundo dados do IBGE de 2011, 46% de sua população em idade ativa vivendo com até dois salários-mínimos, enquanto apenas cerca de 10% recebe de três a 10 salários-mínimos. Ainda de acordo com tais dados, menos de 2% da população em idade ativa recebe mais de 10 salários-mínimos. Por isso, somos ainda o quarto pior país da América Latina no quesito distribuição de renda, de acordo com ONU.

E essa desigualdade econômica influencia muito o acesso à educação. De acordo com uma pesquisa também do IBGE, em 2009, a fatia mais pobre da população acima de 25 anos possuía apenas de 4,5 anos de estudos enquanto que a fatia mais rica na mesma faixa etária possuía mais que o dobro, 10,4 anos. O estudo também apontou que apenas 32% da fatia de jovens mais pobres entre 15 e 17 anos estava no Ensino Médio enquanto que quase 78% da fatia dos jovens mais ricos, na mesma faixa etária, estava estudando nessa etapa do ciclo educacional.

Somando-se a esse panorama discrepante, as escolas públicas de ensino fundamental e médio, frequentadas, em sua maioria, pelos mais pobres, apresentam-se majoritariamente sucateadas, com estruturas físicas precárias, currículos pouco atrativos, falta de professores e educadores desmotivados com seus salários indignos.

Para piorar a situação, essa mesma escola pública – não por culpa dela, mas pelo modelo societário em que vivemos e por opção política de nossos governantes – não tem implementada uma política de assistência estudantil, como a que se vê em universidades e institutos federais.

Dessa forma, chegar até o fim do percurso escolar torna-se muito mais difícil – às vezes, quase impossível – para aqueles que querem estudar e não têm dinheiro para o transporte que o conduziria até a escola; querem estudar e fazer suas atividades de casa depois da aula, mas não conseguem por estar com fome, pois não têm almoço em suas casas; querem estudar, mas não conseguem enxergar, pois não têm como comprar óculos de grau; querem estudar, mas têm que trabalhar para garantir o pão que lhe sustenta (sobre)vivo...

A mais importante crítica à cota por renda familiar da nova legislação acaba ocorrendo pelo fato de esta ser aplicada, em todo o país, a partir de um parâmetro único de renda - 1,5 salário-minimo per capta. Como se já vivêssemos em um país cuja renda é distribuída homogeneamente, em que não há diferenças de riquezas e de poder aquisitivo de uma região para outra, de uma capital para outra, de uma capital para um município do interior!

Uma família de quatro pessoas que vive em Acari, interior do Rio Grande do Norte, com uma renda familiar de R$3700,00 tem, por acaso, as mesmas dificuldades que uma família com a mesma renda e quantidade de pessoas que vive em Brasília, DF? Estão em pé de igualdade uma família com cinco pessoas que sobrevive com uma renda familiar total de R$622,00 e uma família com cinco pessoas que sobrevive com uma renda familiar per capta de R$622,00, isto é, R$3100?

Por que não basear a cota por renda familiar, pelo menos, na realidade de cada unidade da federação, com base em pesquisas do IBGE, do IPEA ou do DIEESE?

Afinal, não é assim que assim que a nova legislação aplica as cotas étnico-raciais? As vagas em cursos técnicos e superiores de graduação devem ser reservadas na proporção do percentual de pretos, pardos e indígenas autodeclarados no último Censo do IBGE, no estado em que se situa a oferta da universidade ou instituto federal.

E por falar em cotas étnico-raciais, não dá para partir do pressuposto de que elas são consensualmente entendidas e defendidas... muito pelo contrário!

Muitos são os que defendem que se há cotas para estudantes de família de baixa renda, os pretos e pardos, por exemplo, já estão ali incluídos. Eu mesmo pensava assim... Mas será?

Se analisarmos os dados relativos às pessoas de cor preta e parda quando o tema é analfabetismo, por exemplo, ainda de acordo com o IBGE, mais de 13% da população de pretos e de pardos são analfabetos contra um índice de menos de 6% para a população de cor branca.

A média de anos de estudo é outra maneira de se avaliar o acesso à educação e as consequentes oportunidades de mobilidade social para brancos e negros. E, nesse caso, o IBGE aponta que a população branca de 15 anos ou mais tem, em média, 8,4 anos de estudo, enquanto pretos e pardos passaram apenas 6,7 anos na escola. Nessa mesma linha, enquanto 62,6% dos estudantes brancos chegaram ao ensino superior de graduação em 2009, apenas 28,2% dos que se declaram pretos e pardos conseguiram chegar até essa etapa do percurso escolar.

Essa desigualdade ainda é reflexo da construção histórica de uma sociedade que deixou de ser escravagista, mas não criou, à época, condições de inclusão educacional, geração de emprego e renda para os pretos que deixaram de ser escravos. Com isso, seus filhos nasceram “livres”, mas não tiveram acesso, por preconceito, discriminação ou por impedimento, às escolas. E quando passaram a ter acesso, os empregos que lhes rendiam eram subempregos. Foi assim com os filhos dos filhos, que, muitas vezes, já nem tinham mais a cor preta; eram pardos ou “brancos”, pois seu pai ou mãe eram brancos, mas continuavam e continuam negros, vítimas de preconceito, da discriminação e com menos chances do que os realmente brancos de estudar e conseguir bons empregos.

E, mesmo quando concluem seus estudos na educação básica, será que os negros – ainda hoje – têm as mesmas chances que um branco para conseguir um emprego? Alguém se arriscaria a afirmar que, no Brasil, uma pessoa de cor preta, pobre, com o ensino médio completo, tem as mesmas chances de uma pessoa de cor branca, pobre, com o ensino médio completo durante uma entrevista de emprego? 

Alguns podem dizer que "sim"... que o preconceito e a discriminação são coisas do passado. “Eu não sou preconceituoso!”... Quase ninguém “é”, não é mesmo?

Uma vez li uma pesquisa do Núcleode Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo (FPA), publicada em 2004, que questionava se a queda do preconceito racial era retórica ou real. Em detrimento do fato de 96% dos entrevistados, ao ser questionado diretamente, ter declarado não ter preconceito de cor, 75% deles apresentou algum tipo de preconceito étnico-racial quando os pesquisadores abordaram a questão de forma indireta. A pesquisa constatou que houve queda em relação ao uma pesquisa do NOP da década de 90. Mas o índice de 2004 ainda assusta. Será que esses dados mudaram significativamente de lá para cá? Tenho minhas dúvidas...

A minha questão quanto às cotas do governo federal para pretos, pardos e indígenas recai, sobretudo, sobre as cotas para essa parcela da população com renda familiar superior a 1,5 salário mínimo. Se já fizeram a travessia para um patamar sócio-econômico mais digno, não vejo sentido em reservar vagas para eles.

No que se refere aos indígenas, fora a ínfima parcela destes que também fizeram a tal travessia, o consenso quanto à necessidade das cotas se faz novamente. Depois de dizimados aos milhões, os que ainda resistem em suas aldeias ou os que migram para a cidade enfrentam tantas dificuldades linguísticas, culturais e sócio-econômicas que só não são maiores que a famigerada dívida histórica que o Brasil tem com eles pelo extermínio de seus/nossos antepassados.

A principal crítica às cotas étnico-raciais refere-se à forma como a etnia é auferida – autodeclaração. Mas essa discussão não leva a lugar algum, pois não existe uma forma viável para se avaliar fenotípica e geneticamente se uma pessoa é preta ou parda... até porque a questão da identidade está intimamente ligada ao pertencimento étnico.
 
Desse modo, as cotas de acesso à educação profissional e superior ainda são essenciais, não como solução definitiva, mas como medida provisória de transição!

Elas representam a tentativa de superação do paradigma da seleção, da concorrência e da exclusão reinante em muitos processos seletivos e vestibulares até pouco tempo pelo paradigma do acesso e da inclusão nos processos de ingresso discente de universidades e institutos federais.

Mas será que, diante da iniciativa de se criar uma política afirmativa única e nacional para o acesso às universidades e institutos federais, não caberia priorizar e instituir outros tipos de cotas? 

Não caberia instituir cotas para os Portadores de Necessidades Especiais, que enfrentam, muitas vezes, torturantes dificuldades físicas e de acessibilidade, psicológicas e sociais para estudar alguns anos de sua vida e que já são cotistas em concursos públicos?

Não caberia instituir cotas para mulheres em cursos técnicos do eixo tecnológico de Controle e Processos Industriais ou em cursos de engenharia, tradicional e culturalmente, frequentados  por homens?

Não caberia instituir cotas para estudantes trabalhadores, sobretudo na Educação Profissional e Tecnológica, visto que estes não têm o mesmo tempo e espaço privilegiados para estudar e preparar-se para os processos de ingresso?

Com esses questionamentos, chamo a atenção para o fato de que qualquer processo de ingresso de estudantes em universidades e instituições federais de educação profissional acaba sendo, de uma forma ou de outra, um tanto quanto injusto, pois geralmente deixa pessoas de fora. O número de vagas é, na maioria das vezes, menor que a quantidade de candidatos. E aí, está instaurada a seleção.

As cotas, por mais abrangentes que se constituam, sempre serão um assunto polêmico, pois também acabam deixando uma ou outra parcela da população de fora, pois não podem ser aplicadas sobre 100% das vagas dos cursos técnicos ou superiores, pois o acesso à educação, no Brasil, deve ser universal. Todos, inclusive, os que tiveram condições de estudar em escolas particulares, têm o direito de estudar numa universidade pública ou num instituto federal.

Em meio a tudo isso, há de se refletir que a reserva de vagas não é a cura para a doença. Deve ser encarada apenas como um anestésico para os sintomas.

Portanto, é preciso ir além! É preciso, de fato, acelerar o tempo de transformação da sociedade e de construção de uma democracia plena e total – não confundir com totalitária – uma sociedade justa e sem pobreza, com uma distribuição de renda mais uniforme e condições de vida dignas para todos; uma sociedade verdadeiramente democrática, em que, nas palavras de Mário Quintana, todos tenham “o mesmo ponto de partida”.

Como quem acredita que essa mudança está sendo trilhada, o governo federal compromete-se a avaliar e revisar o que ele chama de “programa especial para o acesso” às instituições federais de ensino superior e técnico daqui a 10 anos, podendo alterá-lo, expandi-lo, reduzi-lo ou até suspendê-lo.

Mas será que até lá, realmente, teremos conseguido instaurar um novo projeto de sociedade que não precise mais de cotas?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

EDUCAÇÃO: É PRECISO FAZER A ESCOLHA CERTA!

Você viu a nova peça publicitária do CEI Mirassol, técnica e visualmente tão bonita e bem elaborada?

Bonitas imagens... parabéns, direção de Arte! Movimentos de câmara, trilha, locução... tudo se encaixa.

Tratando-se de uma peça publicitária de uma Escola, localizada em Natal/RN, porém, não tive como não me lembrar do seguinte texto de um sobrevivente endereçada a Janusz Korczak, disponível no site do Museu do Holocausto:

“Caro professor,

Sou um sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum ser humano deveria testemunhar: câmaras de gás construídas por engenheiros ilustres;  crianças envenenadas por médicos altamente especializados; recém-nascidos mortos por enfermeiros diplomados; mulheres e bebês assassinados e queimados por gente formada em ginásio, colégio e Universidade.

Por isso, caro professor, eu duvido da educação. E eu lhe formulo um pedido: ajude seus estudantes a se tornarem humanos. Seu esforço, professor, nunca deve produzir monstros eruditos e cultos, psicopatas e ‘Eichmans’ educados.

Ler, escrever, aritmética são importantes somente se servirem a tornar nossas crianças mais humanas.”
 

E o que essas linhas tem a ver com o filme publicitário da empresa educacional?

Sem dúvidas, não foi ela que roteirizou ou produziu o vídeo, mas, no universo publicitário, todo cliente precisa aprovar as peças de comunicação produzidas a partir dos planos de mídia contratados.

Logo, não há como não inferir que esse tipo de propaganda evidencia as concepções político-pedagógicas e a visão de mundo que a instituição de "educação" possui e irradia junto aos seus alunos.

E será que esses alunos estão se tornando "mais humanos" a partir de uma ação educacional baseada nesse tipo de concepção, em detrimento das inúmeras aprovações no vestibular e dos excelentes empregos conseguidos?

Operários - Tarsila do Amaral (1933)
Voltando ao vídeo... quer dizer, então, que aqueles que se dedicam às religiões afrodescentes não merecem respeito? Ser palhaço ou artista não é mais profissão? Voltamos ao início do século XX, quando atrizes eram chamadas de prostitutas?! E por que um juiz de direito é melhor que juiz de futebol? Pelo salário? Então, a escolha certa é ser engenheiro, médico e advogado?! Clichê, não?!

Como disse Eduardo Galeano, o melhor do mundo é, justamente, "a quantidade de mundos que ele contém”.

Só acrescentaria uma coisa: que os mundos que fazem nosso mundo possam ser mundos melhores, porque mais importante do que a quantidade e a diversidade, é o respeito a esta e a igualdade de condições dignas para todos que neles vivem!

Portanto, enquanto educador, não rechaço ou deprecio os trabalhadores que ganham mal; rechaço, sim, as empresas que pagam baixos salários aos seus trabalhadores.

Rechaço, sim, o fato de um palhaço -- profissional árduo, de uma beleza estética, ética e histórica -- não poder viver dignamente com o seu trabalho. Rechaço o trabalho indecente e as ocupações laborais degradantes... o trabalho escravo de crianças em carvoeiras; as condições laborais desumanas de boias-frias em vários canaviais do Brasil; a insegurança a que se submetem tantos mineradores... Disso, sim, tenho vergonha! Não gostaria que um filho meu ou qualquer indivíduo tivesse que se submeter a esse tipo de ocupação!

Diante de todas essas questões, a educação não é nem pode ser neutra. Logo, desconfie de toda instituição de educação e de todo educador que propague, em seu discurso ou em sua prática, a formação de sujeitos apenas tecnicamente competentes, que não questionam o mundo do trabalho, não refletem criticamente sobre a vida. Desconfie também daqueles educadores ou gestores educacionais que defendem ou ignoram a manutenção do status quo, com todas as suas injustiças, desigualdades, preconceitos, limitações...

Educação é, etimológica e epistemologicamente, movimento, mudança... e, aí acrescento, transformação individual e social!

É por isso que sempre digo: há formas e formas de ser fazer “educação”. Devemos, portanto, sempre nos perguntar a quem serve esta ou aquela educação.

Como diz o slogan, “é preciso fazer a escolha certa”!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

SEJAMOS VÂNDALOS!

Natal (RN) está passando por uma situação lastimável. Somando-se à inoperância da prefeitura e do governo estadual, aos escândalos no legislativo, ao abandono da cidade e aos seus famigerados buracos, um grupo de empresários do SETURN ( Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros do Município do Natal), concessionários de um direito/serviço público, decide, com o aval da prefeitura, aumentar a passagem de ônibus. Em seguida, por ter tido seu aumento revogado, suspendem o sistema de integração gratuita entre os ônibus, instituído pela prefeitura em 2009. O sistema de integração substituiu as antigas estações de transferência, buscando garantir a possibilidade de um passageiro pegar um segundo transporte gratuitamente num determinado tempo.

Influenciados por tudo isso, mas, sobretudo, pelo episódio do aumento da passagem, eis que algo muito feliz e positivo ocorre: a população potiguar, em sua maioria estudantes e trabalhadores usuários dos ônibus, sai da inércia e vai, mais uma vez na história recente da nossa cidade às ruas, fazer o que lhe resta – protestar!

Mas nem todos compreendem ou apoiam os protestos. Infelizmente, grande parte da população continua em casa, acomodada, anestesiada... Alguns até reclamam por ficarem parados no trânsito devido aos protestos.

E a polícia? A quem serve neste momento? Em vez de prender os criminosos, insuflam-se por um autoritarismo desmedido e associam as manifestações populares ao que há de pior, agindo com atitudes torpes de violência e desrespeito.

Outro fato que me entristece é a cobertura jornalística, que, muitas vezes, em detrimento do interesse público e central – a luta por um sistema de transporte público de qualidade – distorce fatos ou traz visões extremamente limitadas, cobrindo apenas um aspecto dos protestos: eles incomodam!
Numa democracia, protestos e manifestações populares não apenas são permitidos; são NECESSÁRIOS! Vivemos numa DEMOCRACIA REPRESENTATIVA em que elegemos políticos para nos representar e tomar as decisões sobre NOSSAS vidas! O que precisamos, contudo, diante de um histórico de decisões e ações de políticos que desrespeitam o interesse público, é lutar por uma DEMOCRACIA cada vez mais PARTICIPATIVA, em que nós cidadãos tomamos as rédeas das nossas vidas e ganhamos voz e vez por meio de conselhos comunitários, conferências públicas, fóruns, colegiados, audiências públicas, manifestações e ativismo político (não quero dizer partidário!).
É preciso incomodar-se, manifestar-se, agir, sim, buscando sempre conscientizar outras pessoas, anestesiadas pelo comodismo da representatividade ou pelo egoísmo de quem não se sente afetado pelos problemas sociais, econômicos e políticos! E isso, feliz ou infelizmente, incomoda às vezes, pois tira as pessoas anestesiadas de suas rotinas, de suas zonas de conforto.
Historicamente, tem sido assim. Os principais ganhos em lutas sociais vieram de protestos, mobilizações e, infelizmente, com algum tipo de radicalismo ou violência. Foi assim na Guerra de Canudos em 1896; na Revolta da Vacina em 1904; na Revolta de Contestados em 1912; nas manifestações contra a Ditadura Militar Brasileira, que culminaram no movimento das “Diretas Já” e na redemocratização do Brasil; foi assim nas lutas da década de 60 na França; no Chile desde 2011; tem sido assim nas lutas mais recentes na Líbia, Tunísia, Iemen, Egito e Turquia.
 
Sou totalmente contra qualquer tipo de violência. Acredito, quase sempre, na comunicação e no diálogo democrático como a melhor alternativa para a convivência harmônica. Mas sem recursos financeiros ou voz na grande mídia, sem estar em mesmo pé de igualdade e de poder que as autoridades políticas e os empresários, qual a alternativa da população?! Protestar!
Isso é “vagabundagem”?! Isso é vandalismo?! Segundo o Aurélio, vandalismo é a "destruição ou mutilação do que é notável pelo seu valor artístico ou tradicional". A história do termo está vinculada ao povo Vândalo (Vandali ou Wandeln), um dos povos bárbaros que invadiram e atacaram o Império Romano, provocando sua queda.
Se não fosse a conotação pejorativa atribuída ao termo, os protestantes de Natal poderiam, de maneira torta (os ônibus não tem valor artístico ou tradicional), ser considerados vândalos, pois eles também lutam pela queda de um império - o império dos empresários que exploram a população com preços abusivos e um transporte precário. Se não fosse a conotação perjorativa, diria: sejamos, então, todos vândalos!
Os manifestantes dos protestos contra os abusos do SETURN, entretanto, não estão atacando ninguém nem invadindo lugares, pois as ruas são públicas, isto é, do POVO! Os ônibus são propriedade privada, mas fazem parte do sistema de transportes públicos, isto é, do POVO! E se o direito desse POVO está sendo ameaçado, com passagens abusivas ou com o fim do sistema da integração gratuito, esse mesmo povo – me incluo aí - tem, sim, o direito de protestar. Gritando, fazendo passeatas, faixas e cartazes, movimentos nas redes sociais, panelaços, “roletaços” e, infelizmente, como medida extrema, depredando patrimônio, o que, na minha opinião, deve ser adiado e evitado ao máximo.
No caso específico dos protestos contra o fim da integração nos ônibus de Natal, sou contra a queimada dos ônibus ou qualquer depredação do patrimônio público ou privado ou qualquer violência contra qualquer cidadão. Ainda em relação à queima dos ônibus, há de se apurar os fatos, pois os protestos contra o aumento da passagem e pelo passe livre têm sido sempre pacíficos e nunca optaram por esse tipo de ação.
Penso que, se o Ministério Público não conseguisse impedir que os empresários descumprissem a legislação, fazendo-os retomar a integração gratuita, aí, sim, talvez, fosse necessário radicalizar o movimento, pois diante das injustiças ou da inoperância dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, de fato, a população não tem muitas alternativas.
Fico me perguntando por que as pessoas que se indignam profundamente com a queimada de um ônibus não se indignam com o aumento da passagem, numa cidade pequena como Natal, com uma tarifa já das mais caras do Nordeste e ônibus dos mais velhos do Brasil?
Por que essas pessoas que se revoltam com a queimada dos ônibus não se revoltaram com o fim da integração gratuita dos ônibus, fundamental para o traslado de estudantes e trabalhadores?
Por que essas pessoas não se revoltam com o autoritarismo e a violência desnecessária com que a polícia tem tratado jovens estudantes e trabalhadores nos protestos pelo transporte público?
Por que não se revoltam com o fato de o governo estadual ter reduzido 7,6 % do orçamento da saúde e elevado em 56,9% o orçamento de propaganda na proposta orçamentária de 2013?
Por que essas pessoas não se revoltam com o nosso pífio sistema público de saúde e apenas pagam seus planos de saúde enquanto milhares de pessoas se amontoam para utilizar o SUS?
Por que essas pessoas não se revoltam com a destroçada situação da educação pública e apenas matriculam seus filhos em escolas privadas?
Por que essas pessoas não se revoltam com a miséria e a fome que assola nosso país?
Isso, sim, me revolta!

sexta-feira, 18 de maio de 2012

AFINAL, O QUE QUEREM AS MULHERES?

Nas últimas semanas, mais do que em qualquer época, tenho me feito, repetidas vezes, essa pergunta, que já foi título de uma série na TV Globo.

O questionamento tornou-se frequente depois de uma aula em que debatia o tema relacionamento e, especificamente, o que homens e mulheres esperavam de um(a) companheiro(a) ao relacionar-se. Numa turma de maioria adolescente e feminina, logo veio um discurso recorrente entre as meninas: "sucesso profissional e estabilidade financeira".

Estranhei, indaguei, mas era isso mesmo... As jovens, realmente, estavam afirmando que era muito importante que o companheiro pudesse lhes proporcionar conforto financeiro e, mais, que assim pensavam a maioria de suas colegas!
Cleópatra representa o poder da mulher



Os dias se passaram e, por um tempo, quase me esqueci do episódio. Até que um dia estava eu conversando com um colega e duas colegas de trabalho sobre os papeis que o homem e a mulher desempenhavam num relacionamento. E estava eu ali, de novo, estranhando o fato de eu e meu colega estarmos defendendo a emancipação, a igualdade de direitos e a valorização da mulher enquanto nossas colegas diziam querer tudo isso, mas "sem sobrepor a voz de comando e a última palavra que o homem precisava ter no casamento". Segundo elas, nós homens precisávamos ainda ganhar mais para dar-lhes segurança e conforto.

Voz de comando?! Última palavra?! Ganhar mais?! Ainda existiam mulheres pensando assim? Para uma das colegas e minhas alunas, a maioria! Por quê?! Para quê?! Uns alegam que é uma condição biológica. "A mulher é mais frágil; precisa da proteção masculina. A mulher, institivamente, busca um companheiro capaz de lhe prover as melhores condições de vida para si e para os filhos que almeja reproduzir". Isso não me convence! 

Penso que esse comportamento é muito mais social, cultural, ideológico e histórico do que biológico. Se fosse preponderantemente biológica essa condição não haveria espaço para sociedades matriarcais relevantes como os Nagovisi, na Austrália, ou o povo de Meghalaya, no nordeste indiano, que talvez seja o único local do planeta que possui um movimento de emancipação masculina: o Synkhong Rympei Thymmai.

Miss Fisiculturismo 2009. Frágil, né?!
O sexo é biológico, mas o gênero não. Assim, as mulheres não nascem mulheres (fragilizadas ou submissas), elas se tornam mulheres (fragilizadas ou submissas). O problema é que essa “liderança” e essa “superioridade” do homem foi tão reproduzida ao longo da história que internalizamos como um traço quase genotípico.

Em outra ocasião, perguntei a uma outra colega se ela concordava com essa diferença salarial e sobrepujança do homem sobre as mulheres. Ela titubeou... mas, sim, concordava. Queria que seu marido ganhasse mais que ela. "Por quê?" Perguntei-lhe. "Não sei", disse ela. Você não tem anseio de ganhar bem? Construir sua carreira profissional ou acadêmica e seus ganhos financeiros independente de outra pessoa? Será que é por que você acha mais fácil para o homem ganhar mais? "Será?!", refletiu ela.

Mas por que essas posturas estavam me incomodando? Por que elas me incomodam e sempre incomodaram? O que está por trás desse imaginário? Quais as consequências dessas concepções e atitudes?

Que lugar essas mulheres querem (são conduzidas a querer) para si na sociedade? O lugar da submissão? Da voz e do papel secundários? Dos salários menores que os dos homens? Não querem uma carreira promissora? Quais são suas ambições pessoais?

Minha preocupação é que da voz de comando ao autoritarismo, à violência simbólica (psicológica e social) e à física há um limiar tão ínfimo. Isso tudo e o machismo são o mesmo assunto. Para que voz de comando se num relacionamento os dois podem decidir em conjunto, em pé de igualdade? Por que o homem precisa ganhar mais se ambos podem ganhar a mesma coisa... se o homem pode ganhar menos... se o homem pode nem trabalhar se ambos concordarem... se a mulher pode ganhar menos ou nem trabalhar, SE ASSIM QUISER? Vamos basear nossos relacionamentos interpessoais na economia... no capital (como se não bastassem as relações socioeconômicas...)?

O que ocorre é que, tendo voz de comando, ganhando mais, pagando as contas da casa, comprando presentes ou pagando cursos da esposa, alguns homens (não encontrei um nome mais apropriado...) pensam que são proprietários de suas mulheres (coisas?!) e que elas lhe devem obediência e submissão por isso.

Um fato a ser considerado: mulheres são mães. E não por genética, mas por educação, reforçam, às vezes, essa voz de comando dos homens ao reproduzir esse modelo na criação de seus filhos, priorizando-os em detrimento de filhas, concedendo-lhes privilégios, denegrindo a imagem das mulheres com que eles se relacionam, acobertando traições e atitudes de violência. Por isso e pela estupidez de muitos homens, a cada cinco minutos, uma mulher é vítima de violência no Brasil... Segundo relatório de uma pesquisa do sociólogo Júlio Jacobo, enviado ao Ministério da Justiça em 2012, em cerca de 70% dos casos, quem espanca ou mata a mulher é o namorado, marido ou ex-marido. Enfim, enquanto os homens morrem na rua, as mulheres morrem em casa.

Não quero, com tudo isso, inflamar o feminismo ou a qualquer luta pela supremacia da mulher. Como diria minha irmã, é apenas a reivindicação por igualdade de respeito e de condições de vida digna independente do sexo ou do gênero! Somando-se ao combate contra o pensamento chauvinista masculino (ainda) hegemônico, no fim de semana subsequente àquela conversa no trabalho que tive, vi uma reportagem no Fantástico, da TV Globo, que, mais do que dados alarmantes sobre violência contra mulher no Brasil, traz um exemplo de mulher que não se submete a qualquer diminuição baseada no gênero, a delegada Susane Ferreira: 



Se não concordam comigo ou com a delegada do vídeo, se não querem igualdade de condições humanas e socioeconômicas, afinal, o que querem, vocês mulheres?!!! Ajudem-nos a entender...