sexta-feira, 19 de outubro de 2012

EDUCAÇÃO: É PRECISO FAZER A ESCOLHA CERTA!

Você viu a nova peça publicitária do CEI Mirassol, técnica e visualmente tão bonita e bem elaborada?

Bonitas imagens... parabéns, direção de Arte! Movimentos de câmara, trilha, locução... tudo se encaixa.

Tratando-se de uma peça publicitária de uma Escola, localizada em Natal/RN, porém, não tive como não me lembrar do seguinte texto de um sobrevivente endereçada a Janusz Korczak, disponível no site do Museu do Holocausto:

“Caro professor,

Sou um sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum ser humano deveria testemunhar: câmaras de gás construídas por engenheiros ilustres;  crianças envenenadas por médicos altamente especializados; recém-nascidos mortos por enfermeiros diplomados; mulheres e bebês assassinados e queimados por gente formada em ginásio, colégio e Universidade.

Por isso, caro professor, eu duvido da educação. E eu lhe formulo um pedido: ajude seus estudantes a se tornarem humanos. Seu esforço, professor, nunca deve produzir monstros eruditos e cultos, psicopatas e ‘Eichmans’ educados.

Ler, escrever, aritmética são importantes somente se servirem a tornar nossas crianças mais humanas.”
 

E o que essas linhas tem a ver com o filme publicitário da empresa educacional?

Sem dúvidas, não foi ela que roteirizou ou produziu o vídeo, mas, no universo publicitário, todo cliente precisa aprovar as peças de comunicação produzidas a partir dos planos de mídia contratados.

Logo, não há como não inferir que esse tipo de propaganda evidencia as concepções político-pedagógicas e a visão de mundo que a instituição de "educação" possui e irradia junto aos seus alunos.

E será que esses alunos estão se tornando "mais humanos" a partir de uma ação educacional baseada nesse tipo de concepção, em detrimento das inúmeras aprovações no vestibular e dos excelentes empregos conseguidos?

Operários - Tarsila do Amaral (1933)
Voltando ao vídeo... quer dizer, então, que aqueles que se dedicam às religiões afrodescentes não merecem respeito? Ser palhaço ou artista não é mais profissão? Voltamos ao início do século XX, quando atrizes eram chamadas de prostitutas?! E por que um juiz de direito é melhor que juiz de futebol? Pelo salário? Então, a escolha certa é ser engenheiro, médico e advogado?! Clichê, não?!

Como disse Eduardo Galeano, o melhor do mundo é, justamente, "a quantidade de mundos que ele contém”.

Só acrescentaria uma coisa: que os mundos que fazem nosso mundo possam ser mundos melhores, porque mais importante do que a quantidade e a diversidade, é o respeito a esta e a igualdade de condições dignas para todos que neles vivem!

Portanto, enquanto educador, não rechaço ou deprecio os trabalhadores que ganham mal; rechaço, sim, as empresas que pagam baixos salários aos seus trabalhadores.

Rechaço, sim, o fato de um palhaço -- profissional árduo, de uma beleza estética, ética e histórica -- não poder viver dignamente com o seu trabalho. Rechaço o trabalho indecente e as ocupações laborais degradantes... o trabalho escravo de crianças em carvoeiras; as condições laborais desumanas de boias-frias em vários canaviais do Brasil; a insegurança a que se submetem tantos mineradores... Disso, sim, tenho vergonha! Não gostaria que um filho meu ou qualquer indivíduo tivesse que se submeter a esse tipo de ocupação!

Diante de todas essas questões, a educação não é nem pode ser neutra. Logo, desconfie de toda instituição de educação e de todo educador que propague, em seu discurso ou em sua prática, a formação de sujeitos apenas tecnicamente competentes, que não questionam o mundo do trabalho, não refletem criticamente sobre a vida. Desconfie também daqueles educadores ou gestores educacionais que defendem ou ignoram a manutenção do status quo, com todas as suas injustiças, desigualdades, preconceitos, limitações...

Educação é, etimológica e epistemologicamente, movimento, mudança... e, aí acrescento, transformação individual e social!

É por isso que sempre digo: há formas e formas de ser fazer “educação”. Devemos, portanto, sempre nos perguntar a quem serve esta ou aquela educação.

Como diz o slogan, “é preciso fazer a escolha certa”!

6 comentários:

  1. Impressionante como essa situação, protagonizada pela propagando do CEI, conseguem sintetizar um lamentável quadro idepolítico que vivemos frente a Educação. Na contramão da luta de tantos trabalhadores desse campo - que levantam a bandeira de uma Educação alinhada com a emancipação humana - essa propaganda consegue reduzir, em uma infeliz ginástica do pensamento pequeno-burguês, a Educação a preparação de determinados profissionais. Não corriqueiramente, as profissões escolhidas são as que, historicamente, tem se vinculado as elites brasileiras. Ou seja, de um lado, reduzem a formação oferecida pela escola a preparação profissional, por outro, selecionam, dentre a infinidade de profissões, aquelas que ainda se filiam maciçamente às elites brasileiras. Ainda compondo essa triste fotografia, está a postura com que, até então, a agência de publicidade tem lidado com as repercussões desse trabalho. Usando do velho argumento pequeno-burguês (ao menos são fieis a sua postura ideológica) do humor politicamente incorreto. Se a relação do humor com a política é para criticá-la, evidenciar o quanto impregnamos nossos corações e mentes de conceitos ilógicos, ou seja, o humor politicamente incorreto transgride os valores arraigados, para nos retornar a reflexão do absurdo de nossas vidas. Bem, ridicularizar palhaços, curandeiros e árbitros realiza essa tarefa? Com isso, o humor resgatado nessa peça publicitária nada mais faz do que perpetuar concepções de mundo tão caras a uma determinada parcela da elite, que insiste em pensar o país - ou o mundo - enquanto uma província do século XIX. E se reprodução, infelizmente, não é politicamente incorreta. Por sinal, esse humor da agência se assemelha as mesmas anedotas que justificam o estupro e a pedofilia e do mesmo modo, naturalizam diversas das barbáries humanas. O quadro ainda não está completo. No mínimo, ainda falta conseguirmos enxergar qual será o posicionamento dessa escola frente aos ecos de sua propagando. Recuarão e se esforçarão retoricamente para plotar valores que, a priori, não propalavam? Compraram, além da peça publicitária, o discurso de justificativa da agência e manterão a sua coerência ideológica? Indo além, e como os pais, alunos e trabalhadores dessa empresa (!) refletem sobre esse caso. É, mesmo que consigamos ver esse quadro completo, torço esperançoso que novas cores apareçam, além do cinza aguado que o pensamento conservador sempre carrega.

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    1. Fellipe, excelentes colocações para corroborar com o debate! Também estou ansioso para ver as cenas do próximo capítulo!

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  2. Vitão, já disse que sou teu fã?!

    Minha opinião sobre isso você já conhece, só passei pra parabenizá-lo pelo texto.
    Vejo minha opinião igualmente representada em seu artigo!

    Um abraço.

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    1. Glaubinho, você sabe que, pelas ideias e pela música, também sou fã! Adoro ver suas provocações, debates e intervenções igualmente educativas no grupo do IFRN/Zona Norte! Um grande abraço!

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  3. Caro amigo,
    Pontuastes perfeitamente quando citas o texto do museu, mais ainda, quando afirmas que na educação é preciso fazer escolhas. O que vislumbrei na campanha, além do caráter discriminatório, tem a ver com o outro lado de uma moeda, o lado dos que fizeram a escolha por uma educação que enxerga os sujeitos apenas pelos títulos e bancadas (apesar de ser um caminho que deve ser pecorrido na academia). Parece-me uma educação cuja visão, elitista e mercantilista, induz ao cenário da valorização do TER em detrimento do SER. Então me pergunto: onde estão os ideais combativos por uma sociedade ancorada em valores éticos e morais? na justiça social pactuada pelo Estado e pelos homens livres, criadores, sonhadores e iguais? Acredito na educação que é fio condutor para o debate e o embate, que duvida e questiona, que erra e acerta e, acima de tudo, possibilita a formação de sujeitos críticos, autônomos e partícipes do seu mundo.

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  4. Parabéns Victor, sempre trazendo assuntos para debate muito importantes para a sociedade.

    Sempre acreditei que a educação era uma ação/ato que fosse além da formação de profissional, mas contribuísse na formação cidadã, a profissionalização seria algo secundário, não que não seja importante, porém é uma consequência. Na minha prática enquanto docente subverti as perguntas que muitos professores do ensino básico me faziam: "O que você quer ser?", optei pelo questionamento: "O que você gosta de fazer?". Acredito veementemente que o importante para cada um é desenvolver os seus gostos, sonhos, desejos, uma vez que é pouco provável que uma criança ou adolescente tenha certeza de uma profissão. Todavia, quando a faço muitos ainda me respondem com suas ambições profissionais, as quais, na grande maioria, limitam-se a medicina, engenharia e ao direito. Não desmerecendo nenhuma das atividades enumeradas, haja visto serem essenciais para o desenvolvimento de país que se diz democrático. Todavia, não apenas estas formam a sociedade, mas um leque absolutamente enorme, como o pai de santo, o palhaço e o juiz de futebol. A mesma peça poderia ser montada de muitas outras formas, a exemplo na demonstração dos mesmos profissionais glorificados pelo comercial, que muitas vezes graduados e aprovados em concursos, ou mesmo na iniciativa privada, não desenvolvem a sua função de forma plena para com a sociedade, mas talvez não conseguiria arrancar risos, quem sabe indignações. Segundo a descrição do vídeo no Youtube, a intenção da propaganda era traçar uma visão humorística diante da situação observada, mas logo em seguida também afirma ser uma ironia com a forma com que os pais escolhem o futuro de seus filhos. É notório que o uso da ironia nos meios publicitários é recorrente, mas nem sempre causa risos, visto que ironia pode gerar humor, porém não é sinônimo. Muitas vezes ela pode ocasionar a sedimentação de pré-conceitos estabelecidos a muito tempo. Neste caso, a super valoração de profissões tidas enquanto imagem de uma burguesia, e a falta de respeito com tantas outras. Igualmente, o comercial reflete a própria valorização do ensino privado em decorrência do público, esquecendo muitas vezes que esta última também logra êxitos na formação de grandes profissionais. Também não estou fazendo pouco caso das instituições particulares, mas temos que observá-la com mais uma opção. Na educação, devemos levar em consideração a formação de uma pessoa que questione a sua realidade, não apenas responda a perguntas de provas mecanicamente. Espero que esta corrida desenfreada por obtenção de novos alunos (e não uma clientela), por parte das instituições mude, fazendo com que a educação realmente sirva para seu propósito... a formação de cidadão! Com a minha humilde opinião, acredito que a instituição deveria retirar o comercial do ar.

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